Voz da Póvoa
 
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Alugar Quartos aos Banhistas em Troca de Géneros

Alugar Quartos aos Banhistas em Troca de Géneros

Vidas | 30 Janeiro 2020

Isabel Maria Pereira Campos nasceu em 1962, na Póvoa de Varzim. Fez o 7º Ano Unificado. Na infância e adolescência aprendeu as profissões caseiras, como limpar, cozinhar ou costurar. Aos 18 anos foi trabalhar como aprendiz numa fábrica de confecções. Depois somou alguns anos na padaria Pão Póvoa e trabalha há mais de vinte na padaria Panificadores Rurais. Gosta das tradições populares, das festas de São Pedro, onde nada brilha mais alto que a estrela do seu Bairro Norte.

“Sou bairrista mas não sou fanática, porque isso leva as pessoas a cometerem actos irreflectidos. Nas ruas ou no campo do Varzim, as pessoas podem assobiar, gritar, berrar, até podem atirar os dentes para dentro do campo ou as gargantas, mas têm que perceber que há um espectáculo que está a acontecer para toda a gente. Devemos exaltar o nosso bairro efusivamente, mas isso não nos impede de aplaudir os outros, o seu esforço, entrega e beleza. Quem vem de fora ver e ouvir as nossas rusgas, não pode sair desiludida com o exagerado comportamento das claques”.
 
O bairrismo de Isabel Campos continua a aplaudir a tradição dos bairros, mas já viveu ao ritmo do Samba: “Fiz parte da fundação da escola de Samba Lelé, com a Rosa, a Cidália, a Corália, o Zé, a Antonieta, entre outras amigas. Participamos em vários cortejos de carnaval, nos anos 80, organizados pelo Turismo. Passei muitas noites sem dormir, com o grupo, a fazer as vestimentas e ‘tocados’ para as miúdas levarem na cabeça. Mais tarde o desfile na Avenida dos Banhos começou a levar carros alegóricos e a ter a participação, por convite, de actrizes das novelas brasileiras. Angariávamos alguns fundos e eu própria, que na altura tinha um mercadito, gastei muito dinheiro. Mandei vir pinturas do Brasil, através dos meus tios, e comprava colares e tecidos. Houve muita gente anónima que trabalhou muito para que os desfiles de carnaval fossem uma festa”.

Em toda a sua vida, Isabel Campos conheceu apenas duas profissões, embora em empresas diferentes: “Primeiro fui para uma fábrica de confecções como aprendiz, mas não gostei. Depois fui trabalhar, como empregada de balcão, para a padaria Pão Póvoa, que tinha vários depósitos de venda na cidade. Na altura tínhamos que ter um cartão de balconista e fui fazer um curso. Entretanto casei e como tive um filho e queria o fim-de-semana livre, voltei a empregar-me nas confecções. Vivi ainda a experiência de um pequeno mercado e nos últimos 20 anos trabalho na padaria Panificadores Rurais, que tem a sua distribuição mais virada para as freguesias. O pão é muito bom porque é cozido a lenha. Como se faz no processo antigo, no dia seguinte ainda é comestível”.

Falar da infância é um retorno à alegria: “Quando não havia o que fazer em casa, passávamos o tempo na rua ou na praia a brincar. Não havia telemóveis, nem tablet, e pouca gente tinha televisão. Era um viver saudável. Jogava-se à bola com os rapazes, ao escoço, à corda, e na praia jogava-se ao prego, à babona e brincava-se às escondidelas entre os barcos que estavam no sequeiro”.

E acrescenta: “Quando chegava o Verão tínhamos que ajudar em casa. A minha mãe alugava quartos aos banhistas para sustentar a casa de Inverno e era preciso mudar a palha e acolchoar de novo os colchões. Íamos também para os lavadoiros do rio Novo, na Giesteira, lavar roupas. A minha mãe contratava uma sopeirinha da aldeia para auxiliar nas limpezas ou nos almoços. Comprava na feira três leitões, que eram alimentados com levedura e restos de comida dos banhistas. Depois, um porquinho era para a criada, que também tratava dos animais, um para a salgadeira ou fumeiro da casa, e o outro era vendido para pagar o investimento. Nos quintais criavam-se também coelhos, patos e umas galinhas”.

Isabel Campos revela que no final das vindimas ainda vinham muitos lavradores a banhos e que uma parte deles pagava a estadia em géneros: “No final de Setembro e até meados de Outubro vinham os lavradores mais pobres, conhecidos por ceboleiros. Alugavam os quartos em troca de garrafões de vinho ou de uma rasa de milho. Outros trocavam o pagamento por feijões ou batatas. Traziam o produto que tinham e trocavam pelo quarto. Tudo o que davam em troca servia para a gente consumir no resto do ano. Esse tempo foi-se, hoje paga-se tudo, até para ter dinheiro no banco”

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