Voz da Póvoa
 
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A Mão dos Passaportes do Consulado de Estugarda

A Mão dos Passaportes do Consulado de Estugarda

Vidas | 19 Janeiro 2020

António de Miranda Fernandes nasceu em 1941, na freguesia de Rio Tinto, Esposende. Fez a 4ª classe e ainda tentou, à noite, fazer a 6ª classe na Telescola, em Barqueiros, mas a necessidade de ajudar os pais na agricultura levou-o a desistir. Depois do serviço militar, emigrou para a Alemanha, onde trabalhou, um ano numa fundição e depois no Consulado de Portugal, em Estugarda, até se aposentar. Na Alemanha concluiu o 12º ano e estudou pintura na Escola de Belas Artes de Estugarda. É casado com Maria Adelaide Fernandes e é pai de dois filhos.

“Trabalhei sempre na agricultura, nos campos da família, até ir para Angola combater, nos Rangers, sem saber porquê e por que razão. Cultivávamos as terras e fazíamos por vinho. Os meus pais tinham a maquinaria toda para relar e espremer as uvas. Era ainda uma criança e já chamava as vacas, de Rio Tinto, pela estrada de Barqueiros, Laúndos até à Póvoa.

Vínhamos vender carros de lenha rachada, numa feira que se fazia em frente à antiga cavalariça do quartel, junto ao hospital. Como fazíamos por vinho também fornecíamos algumas tascas poveiras”, recorda.

Cumprido o serviço militar, António Fernandes regressou à agricultura, mas por pouco tempo: “Fui em 1963 para Angola e regressei muito confuso, com pouca vontade de voltar à agricultura, mas o meu avô acabou por comprar um tractor para trabalhar as nossas terras e ao mesmo tempo lavrar para fora. Eu tirei a carta de ligeiros em Angola e de pesados em Braga, por isso fui acatando a vontade da família. Como a agricultura dava muito trabalho e pouco dinheiro assinei um contrato e fui para a Alemanha trabalhar numa fundição, a fazer pistões para automóveis”.

E acrescenta: “Trabalhava entre altas temperaturas e bebia litros de água para não desidratar. Em Dezembro de 1969 visitei o Centro Português em Estugarda e li um edital do Consulado de Portugal a pedir pessoal. Dirigi-me ao Consulado e o cônsul propôs-me um trabalho de contínuo, mas se quisesse podia estudar e progredir na carreira. Inscrevi-me numa escola e só parei com o 12º ano feito. Todos os cônsules gostavam do meu trabalho. Fui contínuo, auxiliar de secretaria, secretário de segunda e de primeira. Mais tarde fui assistente técnico principal. Fui para a Alemanha a pensar ficar lá três anos e acabei por trabalhar 40 anos”.

De entre os vários serviços que desempenhou, António Fernandes destaca os passaportes com os dados pessoais escritos à mão: “No Consulado fiz trabalho de notariado, de registo civil e gostei muito de tratar dos vistos para estudantes e pessoas com cursos superiores. Um dia o cônsul disse que eu tinha uma letra redondinha, bem legível, e por isso gostavam que começasse a fazer os passaportes. Na altura eram feitos pelo punho. Num mês fiz 517 passaportes. Como o Consulado Geral era em Estugarda, fazia também para os nossos emigrantes da Baviera. Foram oito anos consecutivos até ficar com o ombro desconchavado. Por vezes, até ao sábado e domingo trabalhava”.

As férias passadas na Póvoa acabaram por influenciar na compra de um apartamento: “Fazíamos férias na casa dos meus pais, em Rio Tinto, e praia na foz do rio Cávado. Depois começamos a frequentar as praias de Apúlia, Aguçadoura e Póvoa de Varzim, onde comecei a alugar barraca a seguir ao campo do Varzim. Um dia, há 40 anos, a passear pela Avenida Mouzinho de Albuquerque, vi um apartamento à venda e comprei. Tinha crianças em idade escolar e podia tirar seis semanas de férias. Desde 2002 passei a ser poveiro de coração”.

A vida ganhou a calma da idade e António Fernandes tem um passatempo que ganhou raízes em Estugarda: “Sempre tive jeito para desenhar e na Alemanha comecei a pintar umas aguarelas. O pessoal do Consulado começou a incentivar-me e acabei por frequentar a Escola de Belas Artes, durante dois anos, em horário pós-laboral. Com o conhecimento das técnicas, comecei a criar alguns quadros que foram ganhando paredes em casa e fora de portas. Tenho também telas pintadas em acrílico. Gosto desta ideia de guardar certas vivências, algumas que só os quadros ainda contam”.

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