Voz da Póvoa
 
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Uma Oposição Socialista Construtiva e Sem Conflito

Uma Oposição Socialista Construtiva e Sem Conflito

Política | 21 Outubro 2020

A democracia faz bem, quando é praticada por verdadeiros democratas, seja na governação ou na oposição. Exercer o poder sem se apoderar dele é também saber ouvir e quantas vezes concordar com o outro. Oposição não pode ser exercida sempre no contra, mas com um debate construtivo e alternativo. Em democracia, o povo pode não escolher o candidato, mas é quem o elege. Na Póvoa de Varzim, o Partido Socialista (PS), com mais ou menos vereadores, nunca, em 46 anos de democracia, teve o número suficiente para liderar a governação. No entanto, isso não significa que não tenha dado o seu contributo para o engrandecimento da cidade e do concelho.

“Penso que o conflito não é saudável em democracia. O que se verifica é que raramente a oposição é ouvida e atrevo-me a dizer que mais vale um executivo monocolor. Vereadores sem pelouro não adiantam nada. Podem ser um contributo e foi o que tentamos. Procuramos sempre existir”, esclarece Miguel Fernandes Pereira, Vereador eleito pelo PS, nas eleições autárquicas realizadas a 1 de Outubro, de 2017.

Nasceu em 1954, em Chaves. É licenciado em Cirurgia e Medicina. Começou a exercer na sua terra natal, junto da família, mas em 1983 decide tornar-se poveiro de coração, terra onde, desde miúdo se habituou a passar as férias de verão. Quando a revolução de 25 de Abril de 1974, aconteceu, estava na faculdade.

Os primeiros passos na política aconteceram quando exercia medicina em Chaves: “Tomei algumas actitudes que poderei considerar políticas, mas nunca fui filiado em nenhum partido. Era e sou simpatizante do Partido Socialista, mas penso que o problema dos partidos, começa logo nas filiações partidárias. Servir o partido, muitas vezes, não é servir as populações. Aquilo que vamos verificando ao longo do tempo e dos 46 anos de Democracia é que as pessoas vão para os partidos para se servirem. Há muito pouca gente que entra nos partidos para defender aquilo em que se acredita e lutar por uma sociedade melhor e mais justa, de forma a contribuir para que as pessoas possam viver melhor. Infelizmente, não se assiste a isso. Acho que é extensivo a todos os partidos, as pessoas vão para lá para arranjarem os lugares estratégicos em termos de futuro, para poderem depois governar-se. Acreditei algumas vezes que a juventude nos partidos, pudesse mudar as coisas, mas não me parece que isso se verifique, seja a nível local, nacional ou internacional”.

Para Miguel Fernandes, o momento que atravessamos abriu as portas a uma montanha de fragilidades: “Esta pandemia, o que veio mostrar foi uma Europa que permitiu que a China se industrializasse e tomasse conta do mundo e, agora ficou com o chapéu à espera que os chineses comprem qualquer coisinha. A América com este presidente distanciou-se claramente, fechou-se para o mundo, e vive exclusivamente para a sua reeleição. Não é uma questão de democracia, ele quer é ser reconduzido no cargo, nem que seja perdendo. Como é que é possível, a América ter conseguido eleger um Obama e de seguida eleger um Trump. Tudo isto para dizer que a Europa tem que acordar para a industrialização, para criar postos de trabalho, para poder produzir. A produção neste momento não existe. Em Portugal quase não existe indústria, vivemos do turismo e sofremos as consequências arrasadoras da pandemia. O turismo é uma bola de neve que derreteu e não sabemos quando é que volta a cristalizar”.

A entrada na política poveira deu-se na lista de apoio à candidatura do arquitecto Silva Garcia: “Entrei num lugar não ilegível, no sentido de poder contribuir para criar uma mudança que não foi conseguida. Quando aceitei há três anos ser cabeça de lista à Câmara Municipal, o partido não estava bem e alguns amigos fizeram-me entender que se o PS não avançasse com o meu nome os resultados podiam ser desastrosos. O que posso dizer sobre a campanha, é que não correu como o desejado. Não estou arrependido das escolhas que fiz, as pessoas que fizeram parte da lista são bons elementos, trabalhadores e gente muito capaz. Por outro lado, enfrentamos uma candidatura muito forte. O Engenheiro Aires Pereira esteve muitos anos como Vice-presidente e candidatava-se a um segundo mandato. É evidente que em política, como diz o povo, quem está ao borralho é quem se aquece. É evidente que nestas coisas não podemos desvalorizar os outros. Neste momento o PSD continua com uma maioria absolutíssima. A população escolhe aquilo que entende ser melhor. Não critico as escolhas. É evidente que eles conseguiram passar a mensagem que nós não conseguimos. Não estava familiarizado com a política, era inexperiente nestas andanças, a experiência era da vida e, portanto, houve eventualmente erros que foram acontecendo. Se hoje, por hipótese, viesse a ser candidato teria outra experiência”.

Em Democracia as Maiorias Fazem Valer o seu Estatuto

O Partido Socialista com apenas dois vereadores eleitos acabou por assistir à rejeição sistemática das suas propostas pelo executivo camarário: “Naquilo que se vai observando em termos políticos quando existe uma maioria absoluta, tão sólida, é evidente que dois vereadores no meio de sete, não têm qualquer força. Independentemente das propostas que façamos, o que se passa é que o executivo só aprova se entender ou eventualmente, não aceita, mas mais tarde, com umas vírgulas, vai aprovar exactamente a mesma coisa. Há um caso interessante que tem a ver com o carregamento de automóveis eléctricos. O PS apresentou uma proposta de três locais de carregamento. Na altura o executivo dizia que era muito pouco e propunha o dobro dos postos. Passados alguns meses apresentaram uma proposta de três postos, o número avançado por nós”.

E o Vereador socialista acrescenta. “Nas Grandes Opções do Plano, fizemos sempre declarações de voto nestes três anos de mandatos. Em termos de opções nós, naturalmente, faríamos diferente se fossemos eleitos para governar. Por exemplo, tinha privilegiado criar as condições para que as empresas viessem investir na Póvoa de Varzim. Há um slogan que diz ‘É Bom Viver Aqui’ eu criaria um outro ‘É Bom Investir Aqui’. É necessário e importante captar investimento produtivo e não só obras de betão. Algumas serão de interesse, mas não são produtivas. Não vamos criar riqueza se não for através de investimentos produtivos”.

Miguel Fernandes reconhece que entre os chumbos às propostas do PS houve uma excepção: “Recordo a instalação da Talassoterapia, que foi uma das minhas bandeiras enquanto candidato à Câmara. Havia já um acordo com o presidente da Câmara, que eu saúdo pela abertura que teve. Inicialmente, não estava à espera que houvesse essa receptividade que, permitiu aprovar e criar um excelente projecto, com um investimento razoável. Era de grande utilidade para a Póvoa, quer na criação de emprego directo, quer indirecto, fomentando o turismo em saúde. Nós temos aqui vários e grandes hospitais, a Talassoterapia com os tratamentos termais, de águas do mar, iria trazer naturalmente mais pessoas. O projecto iria converter a Varzim Lazer, contribuiria para a tornar mais viável economicamente. Com uma população envelhecida, a necessidade dos tratamentos de fisioterapia vão sendo cada vez mais necessários e, a Talassoterapia iria reforçar o chamado turismo de saúde. Nesse sentido, houve abertura da Câmara, mas a Agência Portuguesa do Ambiente, com régua e esquadro, decidiu anular e inviabilizar o projecto”.

Para o Vereador socialista, houve sempre vontade do partido em analisar os projectos e aprovar aqueles que serviam os poveiros: “Tomamos uma posição contrária, que até chegou a ser mal interpretada, quando não concordamos com a proposta de alargamento do Hospital da Póvoa. Se o edifício, pertença da autarquia é disponibilizado para o Ministério da Saúde e se por ventura a Câmara tivesse adquirido uma bolsa de terrenos contíguos, acho que em termos futuros tinha uma disponibilidade maior para poder, junto do Ministério da Saúde, ter força para fazer valer a vontade de aumentar o hospital e as suas valências. Era mais difícil o Ministério recusar. Propusemos a compra do terreno, mas o presidente da Câmara dizia que o valor era muito elevado. Quando não se quer, é fácil arranjar argumentos. Na altura fizemos uma declaração de voto, no sentido de alertar para essa circunstância, porque fomos contra o pretendido pela Câmara. Apresentamos uma proposta de forma construtiva antevendo o futuro. Aquele espaço que a autarquia disponibilizou é pequeno, embora o presidente diga que não. Em termos estratégicos e de futuro a maior parte das coisas que se vão fazendo, são em função dos resultados imediatos, dos anos eleitorais”.

Para Miguel Fernandes, o que verdadeiramente interessa no imediato é beneficiar a qualidade de vida das pessoas: “Aquilo que mexe no orçamento dos poveiros, é por exemplo, as altas taxas cobradas pela água. Nós propusemos uma descida do preço final da factura da água, não importa quais as taxas que a Câmara pudesse reduzir, o que importa é o preço a pagar. Com a recolha porta a porta, fala-se na eventualidade de haver uma redução da factura. Até agora ainda não se verificou. Era importante que, se a autarquia passou a poupar na recolha de resíduos indiferenciados, fizesse sentir essa redução na fatura a pagar pelos munícipes. Não tenho uma postura negativista, quero acreditar que existe essa intenção”.

PS Quer Ver no Futuro Obras Com Um só Orçamento

“Uma obra que acaba com três empreiteiros traz custos para a autarquia e para o contribuinte. Depois, é importante perceber se temos empreiteiros com capacidade para executar o número de obras que se vão multiplicando. O que se vai verificando, é que as obras são entregues a empreiteiros que fazem tudo em subempreitadas, depois falham e não conseguem executar as obras. É o caso da Escola de Aver-o-Mar, da Escola Flávio Gonçalves ou o Centro de Atendimento, antiga garagem do Linhares, que a autarquia teve que acionar a clausula de rescisão contratual e voltar a abrir um novo concurso. Com a ‘Bazuca’ de dinheiros que aí vem da União Europeia, o número de obras vai aumentar. Por isso, tem que ser pensado muito seriamente a sua aplicação. Por exemplo, em relação ao Fórum Cultural Eça de Queiroz e Casa do Associativismo Local, que pretendia ser uma obra emblemática, com projecto de Siza Vieira, mas que acabou chumbada pelo Tribunal de Contas, é importante perceber se é uma obra absolutamente necessária, se não há outras prioridades, porque o seu custo é grande”, alerta Miguel Fernandes.

E acrescenta: “Se me pergunta em relação ao pavilhão multiusos que vai nascer na antiga Praça de Touros e que a alameda que se prevê que seja construída, fica bem, sem dúvida. É uma opção feliz, mas convém lembrar que é um investimento muito grande, com números muito elevados. Depois reafirmo que é importante, não só pelo que se passou com obras já referidas que pararam, mas em termos futuros pelo que pode acontecer, que sejamos mais rigorosos na selecção dos empreiteiros. Se por ventura a Câmara vai receber a chamada ‘Bazuca’ de dinheiros que vem dos fundos europeus, espero que não seja apenas gasto para mostrar obra. Creio que se há coisa que esta pandemia veio alertar, foi para a necessidade da industrialização da Póvoa. E nesse sentido, os investimentos na área produtiva poderiam ser, nessa altura, uma mais-valia. Agora, é muito importante que através da diplomacia económica se consigam trazer empresas para as zonas industriais de Laúndos e de Amorim. Alguma coisa vai ter que ser feita. Não podemos continuar a assistir a obras cujo resultado vai ser muito bonito, com pompa e circunstância, mas depois são obras que não se vão traduzir em multiplicação de produtividade”.

Um PS na Câmara e Outro na Assembleia Municipal

Sabemos que houve posições de voto contrárias, entre a vereação do PS nas Reuniões da Câmara e depois pelos deputados do partido na Assembleia municipal. Faltou claramente alguma sintonia e sincronismo: “A articulação não existiu, a meu ver, como devia ter existido. Mas as coisas são como são. Não vou entrar por esse caminho porque isso pertence ao partido e a quem o dirige. Pela minha parte, sempre, colaborei desde a primeira hora, assim como tenciono colaborar até terminar o meu mandato. Colaborar numa perspectiva de votar favoravelmente aquilo que a minha consciência diz que está bem e, aquilo que considero que não está, votarei desfavoravelmente. Por vezes essa posição foi contrária ao partido. Houve uma votação que teve a ver com a Praça de Touros em que votamos favoravelmente, porque sempre defendemos um Pavilhão Multiusos. A partir do momento que o presidente da autarquia fez uma proposta nesse sentido é evidente que votei a favor. Se me perguntar se gastaria tanto dinheiro, se calhar não, mas são opções. Reconheço a validade do projecto”.

O relacionamento com o executivo camarário foi sempre cordial: “tivemos sempre um bom relacionamento com o presidente da Câmara e com os vereadores. Salvo as questões e diferenças politicas, por vezes com posições contrárias, foi enriquecedor enquanto autarca, ver e avaliar como as coisas funcionam. Da parte da Câmara, sempre, tivemos uma atitude muito positiva e muito colaborante. Nunca houve nenhum afrontamento. A questão da pandemia foi sempre discutida em Reunião de Câmara. O presidente ouvia e acolhia a minha posição com agrado, porque a perspectiva não era de confronto mas de informação. Pelo facto de ser profissional de saúde não sou dono da verdade. Isso verificou-se com esta pandemia, onde a Organização Mundial de Saúde, ou a Direcção-Geral da Saúde disseram coisas que mais tarde perderam a validade. Eu próprio, numa fase inicial comecei por desvalorizar, relativamente com base nas informações que eu tinha na altura, destas instituições. Agora, rapidamente as coisas tomaram outro rumo e em devido tempo procurei esclarecer que as coisas tinham mudado. Nada neste momento é certo. O importante é que cada um de nós tente salvaguardar a sua saúde e aí arriscava que na rua usemos máscara, porque de outra forma vai ser muito difícil conter este surto pandémico. Aquilo que se está a verificar é que o contágio é feito de uma forma muito rápida. Não sei se estamos no princípio, se estamos a meio, mas no fim da pandemia não estamos de certeza. Neste momento estamos a atravessar um período complicado, que se avizinha piorar com a mistura das constipações. A necessidade de vacinação é muito importante porque esta infecção por Covid-19 parece uma gripe e pode não ser”.

Nas circunstâncias actuais Miguel Fernandes não volta a ser candidato: “A minha posição em termos de continuidade não existe, não tenciono voltar a ser candidato. Apenas, me compete fazer o meu trabalho como vereador eleito e procurar fazer o meu melhor dentro das condições que tínhamos. Acho que em alguns casos foi positivo. Ficou aquém do desejado. Os objectivos passavam pela instalação da Talassoterapia e que até tinha o apoio do presidente, não tendo conseguido isso, o resto foi sempre numa perspectiva de colaboração, também critica. Efectivamente, aquilo que não considerávamos que estava bem, quer por mim, quer pelo Milhazes, sempre pedíamos esclarecimentos e só depois tomávamos uma posição. E assim será até ao fim. A minha disponibilidade foi para este mandato. Foi aquilo que me foi pedido e cumpri. Só partiria para outra circunstância se sentisse vontade, tivesse algum aliciante. A politica é importante quando podemos contribuir para que as coisas melhorem. Daqui até terminar o mandato ainda falta algum tempo. Depois se verá. Nunca abro portas escancaradas, de vez, mas também não fecho portas em definitivo. Poderei sempre dar um contributo porque tenho a escola da vida, a escola profissional e a escola da política, onde com o tempo nos ensina sempre”.

Por: José Peixoto

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