Voz da Póvoa
 
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Sete Décadas com a Leopoldina e a Função Pública

Sete Décadas com a Leopoldina e a Função Pública

Pessoas | 17 Fevereiro 2023

 

Nascemos pela vontade dos pais e do rebentar das águas. Abrimos os olhos para o espanto, encantados, deslumbrados, até que um dia, anos mais tarde, descobrimo-nos pessoas capazes de nos edificar pela vida fora em família até que as rugas nos ensinem a envelhecer. Depois, quanto mais longa for a distância, mais datas festejámos. 

“Dois dias depois do Natal, dia 27 de Dezembro de 1952, casei-me e alguns dias depois, a 14 de Janeiro, assinei a posse de escriturário de segunda na secretaria da Câmara da Póvoa. Aliás, casei-me quando soube que ia trabalhar para a Câmara Municipal. Caso contrário, teria ido para o Brasil. O meu pai tinha naquele país a Livraria do Povo e a Livraria do Mercado. Ou seja, as duas datas aconteceram há 70 anos”, revela Armando Rocha Marques.

Nasceu a 15 de Abril de 1929, na Rua António Graça. “Fui feito em Manaus, mas vim nascer à Póvoa de Varzim”. É casado com Maria Leopoldina Marques e deram à vida duas amadas filhas. Entre outros, foi colaborador do Comércio do Porto, Diário Popular, Diário do Norte, o Ala-arriba e A Voz da Póvoa. Em 2016, foi agraciado pela Câmara Municipal com a Medalha de Reconhecimento Poveiro – Grau Prata.

“Concorri e esperei 13 meses pelo resultado do concurso. Tinha o 6º ano de Liceu e com as minhas habilitações não era fácil arranjar emprego aqui na Póvoa. assinei a posse de escriturário de segunda contra vontade do chefe da Secretaria que queria proteger um rapaz de Famalicão. Mas, o Major Mota, que eu conhecia da Mocidade Portuguesa, fez questão de perguntar porquê o outro e não eu - era por uma questão de qualidade de texto. O Major preferiu o meu poder de síntese”, recorda.

E acrescenta: “Logo no primeiro dia de trabalho, a 15 de Janeiro, era o dia de encerramento das contas anuais das câmaras. Como não tinha ainda serviço distribuído, o José Graça pôs-me a emitir licenças de cães. No fecho das contas da Câmara havia um erro de um escudo (2 Cêntimos) e para dar conta do erro estivemos até à uma hora da madrugada. Fiquei por solidariedade, recém-casado, logo no primeiro dia de trabalho fico até à uma hora, eu e os colegas sem jantar. Quando cheguei a casa ouvi da minha mulher um sermão e missa cantada”. 

Armando Marques entrou em 1954 para o Rancho Poveiro por nomeação da Câmara: “O vereador da Câmara, Manuel Amorim, era pároco em Fafe. Ele queria alguém que fosse com o Rancho Poveiro, que soubesse falar bem e tivesse uma boa presença porque quem organizava aquela festa eram as senhoras da elite de Fafe. O senhor Cadilhe, pai do Miguel Cadilhe ex-ministro das finanças, veio à secretaria perguntar se alguém estava disponível. Naquele dia todos estavam ocupados, menos eu que era o mais novo e ainda não conhecia bem os meandros da casa. Acabei por dizer que estava disponível. A seguir a Fafe apareceu o carnaval da associação dos Fenianos e a partir daí fiquei agarrado ao Rancho Poveiro até hoje”.

O nosso entrevistado ficou feliz ao saber que o Rancho Poveiro vai participar nos 50 anos do Dia da Cidade, e recorda: “foi um dia feliz, mas houve muita gente que refilou porque se dizia que os impostos iam aumentar. O decreto elevou a cidade, a Póvoa de Varzim Espinho e Almada. Nem aumentou os impostos nem o pontinho no mapa de Portugal. Passar de vila a cidade implicava uma rodinha à volta do pontinho, mas o mapa tinha sido feito um tempo antes”.

Uma década depois de trabalhar na contabilidade da Câmara da Póvoa, Armando Marques, num concurso feito em Lisboa, acabou por trabalhar em Vila do Conde, de 1 de Outubro de 1963 a 1 de Outubro de 1966. “Regressei à minha cidade para trabalhar no Turismo por convite do Manuel Amorim. Ele ia fazer o colóquio Rocha Peixoto e quis a minha colaboração porque eu desenrascava bem os problemas que iam surgindo. Foi uma imagem que ganhei na altura. Trabalhar na minha terra foi o que sempre quis e desejei. Curiosamente, no dia 1 de Outubro a minha mulher faz anos”. 

O Barco que foi Boate no Rio Ave

“Foi a minha coroa de glória e o meu maior desgosto. Partimos da Póvoa numa carrinha com 12 pessoas para participar durante seis dias num congresso em Torremolinos. Recordo que entre os passageiros ia o António Sá da agência viagens Sá, e o engenheiro Carlos Baptista. Ao chegar a Torremolinos estava um barco em cimento, como o Marinheiro, que mais tarde foi construído em Aver-o-Mar. Eu vi aquilo e disse ao Carlos Sá – em vez de ser em cimento podia ser em madeira, um barco mesmo. Quando chegarmos à Póvoa vamos aos estaleiros de Vila do Conde a ver se há algum barco que se possa aproveitar. Quando chegámos do congresso fomos aos estaleiros, mas não tinha nada que nos interessasse. O Sá ficou com a ideia do barco e foi mesmo o mais entusiasta entre os pais de crianças. Um dia foi a Tui e viu um casco à venda e comunicou que seria interessante comprá-lo. Fizemos uma sociedade de oito pessoas a 100 contos (500 euros) cada um, e comprámos. Fizemos o projecto e o orçamento, 1800 contos, e fomos em frente”, recorda Armando Marques.
 
O projecto resultou em pleno: “Foi um sucesso tal que a imprensa veio toda ver e deu a notícia do primeiro Barco Boate em Portugal. Estava a funcionar muito bem e começámos a recuperar o investimento com receitas do barco. O barco era frequentado por famílias famosas de Fafe, Famalicão, Vizela, Guimarães, Viseu, entre outras cidades. As famílias endinheiradas que passavam pela Póvoa ou Vila do Conde iam ao barco, o governador Civil do Porto, Major Paulo, trazia a família toda nos seus aniversários. O barco ficava por sua conta. Acontece o 25 de Abril de 1974, e no primeiro sábado depois da revolução, cerca das três da madrugada telefona-me o capitão do barco, o senhor Matos, a dizer que tinha entrado uma brigada do COPCON (Comando Operacional do Continente, um comando militar criado pelo Movimento das Forças Armadas) e estavam a identificar os clientes. Disse-lhe que se tudo corresse bem, lhes oferecesse uma bebida”.

E lamenta: “Foi uma asneira ter sido tão gentil com os militares, porque passaram a vir brigadas, vários sábados consecutivos, fazer a identificação dos clientes, que foram aos poucos desaparecendo e perdemos a clientela toda. Acabámos por dar o barco aos empregados que o levaram para Afurada. Acabou os seus dias aí porque houve uma troca de tiros à entrada do barco e morreu uma pessoa”.

Para Armando Marques a Póvoa de Varzim beneficiou muito com o 25 de Abril: “Passámos a receber na cidade o Rali de Portugal – Vinho do Porto, que ninguém queria, mas apostámos, apoiámos e ganhámos. Veio 12 anos consecutivos. Recebemos também a volta a Portugal do Clube 100 à hora, a volta a Portugal em Ciclismo, com uma equipa de televisão francesa a fazer a cobertura. Foram muitos os eventos que a Póvoa passou a receber e continua”.
Uma outra inovação a nível nacional foi a montagem pelo ‘Turismo’ de uma parabólica no edifício Nova Póvoa, no alto dos seus 28 andares, que cobria toda a Póvoa, com uma oferta larga de canais, incluindo espanhóis e da Galiza, tudo gratuito.

Depois, vieram as boxes pagas e as pressões políticas deram cabo desse projecto. Tivemos que desmontar tudo”. E conclui: “nunca dispenso uma boa conversa porque depois desta vida toda, se não apareço, esqueço. Sei que tenho a vela acesa do Rancho Poveiro”. 

José Peixoto

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