Voz da Póvoa
 
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Memórias e interpelações para uma experiência mais profunda

Memórias e interpelações para uma experiência mais profunda

Pessoas | 11 Setembro 2021

Perante a publicação de algumas fotos que fui vendo nas plataformas de partilha, apercebi-me que, em conformidade com o contexto do uso atual das fotografias, o Rui Sousa despertava uma interação divertida e com um evidente potencial socializante. Claro que as imagens não se poderão desligar do autor: embora sobrevivam na sua autonomia, fazem mais sentido, quando conhecemos quem as fez e quando sabemos o que diz, não acerca delas, mas acerca dos comentários dos outros sobre as mesmas.

Como se torna claro, as imagens que o Rui publica no contexto das redes sociais têm um papel diferente do que assumem quando agrupadas num espaço físico. Primeiro, porque as pessoas que as vêm estão num espaço real e comunicam diretamente, entre si e com o Rui. Segundo, porque a organização segundo critérios de coabitação ao nível espacial e temático é claramente divergente de uma fugaz aparição que obedece a algoritmos, mesmo que ajustados às afinidades de quem acede as fotos. Terceiro, porque a fisicalidade do espaço proporciona uma experiência de um todo, em que temos a liberdade de passear mais deliberadamente e conforme a condução das nossas motivações afetivas, da nossa sensibilidade estética flutuante, da nossa necessidade de interpretação ou de perceção formal.

Neste último caso, as fotografias extravasam o papel de colocar pessoas em interação, numa experiência coletiva de aproximação afetiva, mesmo que virtual. Nas circunstâncias da exposição física, as imagens enriquecem(-se), pois acentuam a sua natureza de memória para além do seu potencial significante e sensível.

Mas devo sublinhar que as fotos do Rui, mais do que memória, coadunam uma associação de memórias. Por outro lado, talvez mais importante, consolidam a associação de significados – dinâmicos porque as nossas interpretações não se fixam, antes emergem conforme o momento em que olhamos para as fotos (o que pode variar num espaço de dias, mas também de horas ou minutos).

O agrupamento, criterioso do Rui, dada a diversidade de vizinhança entre fotos/memórias, leva-nos a olhar e, mais importante, a intrigar-nos, ao ponto de sentirmos a necessidade de encontrar o (nosso) significado para a imagem ou para a relação entre imagens. Repare-se que a intencionalidade da disposição e organização das fotos até poderá ter sido somente intuitiva, mas não terá deixado de ter uma motivação subliminar, essa sim, cujo significado é o mais verdadeiro. É este sentido profundo o que realmente estabelece contacto entre as nossas subjetividades, as nossas faces mais genuínas.

Portanto, as fotografias do Rui têm esta ambivalência de nos interpelar, nos diferentes contextos, despertando em nós uma certa motivação profunda, em que o afeto ligado à estética se associa ao significado ligado à experiência relacional entre todos e entre nós e o mundo. Têm também a força de nos aproximarmos entre nós, sempre que convirjamos para uma essência comum, a que é despertada perante estas fotos. Para este efeito, as fotos do Rui constituem-se como desafios, quer sejam a partir da evidência da importância de algo não vemos porque o hábito nos cega, seja pela provocação perante uma expressão autografada ou seja perante um registo de extrema beleza de uma forma mais simples ou mais complexa.

Vejo as fotografias do Rui, em qualquer circunstância, como um contributo para a nossa felicidade, pois todas elas nos despertam, numa experiência única: a sensibilidade a nós-mesmos através da sensibilidade às imagens; a vontade de nos interpretarmos perante a interpretação dessas imagens; a oportunidade de nos aproximarmos aos outros a pretexto da aproximação a uma imagem; a recuperação das nossas memórias por empatia às memórias que as fotos do Rui nos sugerem.

Luís Filipe Rodrigues

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