Se em cada canto do mundo há um poveiro, podemos acrescentar que o Varzim é um clube com um coração planetário. E a camisola mais poveira é mesmo esta que encarna os homens mais capazes de serem lobos no mar e em terra. O clube tem mais de um século porque foi sempre capaz de rejuvenescer a sua companha.
Os anos 60 foram a mais saborosa colheita do Varzim Sport Clube, década em que se bateu com os melhores clubes nacionais e se tornou um adversário quase imbatível no seu reduto. Quis o acaso que nesta mesma década, mais propriamente no dia 24 de Dezembro de 1967 acendesse os olhos à luz, um menino que, sem ser Jesus, se passou a chamar, Rodrigo Castro Moça, hoje líder da Comissão Administrativa que gere os destinos do Varzim Sport Club.
“Fui obrigado a defender-me muito cedo. Praticamente, entre os 13 e os 18 anos, fui eu que criei os meus irmãos. A necessidade de criar os meus irmãos, de os proteger, deu-me uma responsabilidade acrescida. Comecei a alimentar um sonho em mim de que um dia que tivesse possibilidade, ajudaria sempre quem mais precisa. Percebi que nas associações, nas modalidades desportivas, como o futebol, o andebol, o hóquei, entre outras, os clubes e as associações apostam na formação. Entendo que além da formação como atleta há a formação humana que deve ser construída desde tenra idade, nos mais pequenos. Os miúdos quando estão ocupados e a fazer o que gostam, afastam-se de caminhos menos bons, dos vícios”.
A possibilidade de colaborar colocando em prática o sonho surgiu com a criação da ‘RCM – Etiquetas’, recorda Rodrigo Moça: “Comecei a colaborar praticamente desde o início da empresa. As pessoas sempre me procuraram para ajudar com alguma coisa. Passei a fazer de oferta para os bairros que animam as festas do S. Pedro, uns autocolantes e estampagens de camisetas, passei a apoiar as instituições desportivas, principalmente as que tinham e têm formação, como o Varzim. Com as crianças bem orientadas no desporto, estaria a ajudar a criar futuros homens. Penso que não há nenhuma instituição da Póvoa que, ao longo dos anos, a RCM não tenha ajudado e comparticipado com alguma coisa”.
Como e porquê se tornou sócio do Varzim? “Era ainda uma criança. O meu avô, Mateus Moça, era quem fazia as redes das balizas. Ainda menino ia assistir aos jogos com o resto da família todos os fins-de-semana. Aprendi a gostar do clube e durante muitos anos fui sócio do Varzim. Quando casei, embora trabalhasse por cá, fui viver para Guimarães. E durante muitos anos, embora ajudasse o clube, a vida ofereceu-me outras responsabilidades e obrigações. A paixão pelo clube nunca esmoreceu e voltei a ser sócio com as quotas em dia. A determinada altura, fui convidado para fazer parte da direcção do Lopes de Castro, nunca cheguei a ser membro, mas estive ligado ao departamento de Marketing. Um ano depois afastei-me da direcção, mas não do Clube”.
O Varzim viveu sempre em dificuldades mesmo quando habitou o futebol da primeira divisão: “Entendo que o Varzim, ao longo dos últimos 25 anos, teve uma gestão pouco responsável. Acho mesmo que algumas direcções foram irresponsáveis. Quando digo isto é no sentido de se perceber que fizeram orçamentos acima das possibilidades de receita que o Clube tinha. O Varzim não pode ter orçamentos que superam o dobro ou o triplo das receitas, considero isso uma gestão danosa e isto foi acontecendo ao longo dos anos”.
Não será o Varzim apetecível por ter um património invejável? “O Varzim, além do património, tem uma massa associativa presente, de coração, corpo e alma. Sempre que o Varzim precisa e se faz um apelo, há uma união em volta do clube, um espírito de entreajuda que espanta até os adversários. Efectivamente, a mais-valia que o Varzim tem é a massa associativa, mas a somar a este inestimável valor tem bens e instalações desportivas boas que precisam apenas ser melhoradas, com 108 anos de história tem todas as condições para ser um clube de primeira. O que entendo é que as pessoas iludem-se demasiado, embarcam em loucuras e quando se apercebem, é um buraco atrás do outro, um endividamento crescente”.
Reduzir o Passivo é Encontrar o Caminho da Tranquilidade
“Nos últimos 25 anos não há nenhuma direcção que tenha reduzido o passivo do Varzim, pelo contrário, de direcção em direcção tem aumentado. Quando na realidade, se houvesse responsabilidade de quem está à frente das instituições, se não conseguisse reduzir o passivo, pelo menos teria a obrigação de não o aumentar. Ou seja, na pior das hipóteses, deixaria o clube, financeiramente, tal como o encontrou. Se prejudicassem o clube, acho que as pessoas deveriam ser responsabilizadas e penalizadas por isso”.
Por muito que se isole a equipa, dificilmente ficará imune aos problemas do clube e a tão desejada tranquilidade esvai-se: “O caminho faz-se caminhando, um passo atrás do outro. O Varzim deveria começar do zero, a trabalhar essencialmente com a formação. Sei que os sócios ambicionam e querem sempre mais, mas quem gere o clube deve preocupar-se primeiro com a formação para que o futuro da equipa possa estar assegurado. Ou seja, começar por trabalhar com a prata da casa. Podemos ir buscar um atleta ou outro com capacidades para ajudar a equipa, mas essencialmente trabalhar com a nossa formação e lançar os nossos jogadores. Todos reconhecem que nas últimas décadas têm saído grandes jogadores da cantera do clube, muitos aproveitados por outros clubes sem qualquer retorno, e de outros toca-nos uma pequena migalha do seu real valor. Somos um dos clubes nacionais com maior número de atletas na formação. Essa aposta tem que passar para a equipa e atingir a dimensão que o clube ambiciona. Com a capacidade que temos para gerir o orçamento, consolidando as contas mês a mês, ano para ano, liquidando as dívidas, planeando o clube para o futuro, chegaremos à desejada I Liga. Isso significa não gastar acima do possível. Fizeram-se orçamentos exagerados, e quando as coisas não correm como queremos, não conseguimos cumprir com as nossas obrigações, isso acaba por se reflectir no rendimento dos jogadores, nos treinadores, na formação, no fundo acaba por penalizar toda a gente”.
O chumbo na SAD significa que os sócios têm receio que o clube perca a sua identidade? “Vivemos um tempo em que o futebol tem exigências de gestão que ultrapassam o amadorismo. Ou seja, todos os clubes que querem crescer, têm que passar por uma SAD, pelo futebol profissional. Hoje, os clubes para assegurar a sua sustentabilidade precisam vender jogadores. São esses os activos que fazem com que o clube ganhe dinheiro e ao mesmo tempo possa fazer face aos seus compromissos. Eu sou inteiramente a favor de uma SAD, desde que nunca se prejudique o clube nem seja hipotecado o seu futuro. Entendo que a forma como foi proposta a formação de uma SAD pela anterior direcção, provocou uma série de dúvidas. De acordo com as exigências da Assembleia Geral presidida por Moura Gonçalves, havia uma série de documentos em falta. Foi proposto que apresentassem toda a documentação e que dessem garantia de que aquela SAD era viável. Nesse sentido, como não foi apresentada uma segurança pela forma como estava a ser implementada a SAD, esta não passou nem foi apresentada aos sócios. Havia tempo mais do que suficiente para que alterassem e retificassem o modelo ou a forma de como a SAD iria ser feita. As pessoas entenderam o contrário e acabaram por se demitir deixando o clube cair num vazio”.
Comissão Administrativa Abre o Caminho a Nova Direcção
“Estou com o clube há muitos anos e integrei a Assembleia Geral como Vice-Presidente onde contestei muitas decisões da anterior direcção. Fiz valer a minha opinião que acabou sempre em saco roto. Na realidade, o clube estava num estado financeiro muito grave, numa situação de falência técnica. Para preencher o vazio directivo e tirar o clube da situação em que se encontrava, formou-se a Comissão Administrativa que lidero em sintonia com o André Tavares Moreira, o Pedro Coelho, o Pedro Costa e o Tiago Ferreira. O Varzim financeiramente estava um caos. Com uma dívida de 6,7 milhões de euros. Se a Comissão Administrativa não fosse formada, o clube corria o risco de fechar portas no passado mês de Fevereiro”.
Aprovado em Assembleia Geral pelos sócios a ratificação do pedido de Processo Especial de Revitalização (PER) do Varzim SC, e a ratificação do pedido de PER do Varzim SC-SDUQ, coube à Comissão Administrativa avançar com as soluções: “A prática passou primeiro por estancar e suspender qualquer tipo de penhoras ou processos penais que pudessem prejudicar o funcionamento do Clube. Durantes estes quatro meses de gerência, encontrámos centenas de problemas, alguns conseguimos resolver, outros vamos adiando por questões meramente prioritárias. Para não condicionar o processo de negociação com os credores e podermos avançar com o PER, negociámos com a Segurança Social um plano de pagamento que estamos a cumprir, tal como com as finanças. Vamos tentar com os credores conseguir um perdão de dívida, se assim não for o Varzim não tem possibilidades de pagar. Também teremos que pensar em alienar algum património para amortizar a dívida. Nestes quatro meses, pagámos dois salários, o mês de Dezembro e de Janeiro. Com algumas actividades e com o apoio de alguns patrocinadores e de pessoas anónimas que apoiam o clube. Acredito que o Varzim dentro de 3 ou 4 anos estará em condições de enfrentar outros desafios e objectivos, mas isso só acontecerá se a nova direcção a ser eleita este mês, for rigorosa nas contas e assumir a responsabilidade de gerir o clube como deve ser”.
Há alguma razão para nunca ter assumido uma candidatura à presidência do Varzim? “A minha vida profissional é bastante activa, tenho duas empresas, a RCM e a PRJ, que exigem a minha atenção redobrada e um acompanhamento constante, e o tempo não sobra. Na verdade, quem não tem tempo acaba sempre por arranjar um tempo para dar este ou aquele apoio. Se efectivamente não aparecesse nenhuma direcção ou nenhuma proposta de direcção, ficaria até que isso acontecesse, nunca abandonaria o clube. Recordo que Lídio Marques ficou à frente de uma Comissão Administrativa meia dúzia de anos. O nosso objectivo passou por estabilizar o clube para que fosse possível aparecer uma proposta de direcção que foi assumida pelo nosso ex-guarda redes e capitão, Ricardo Nunes, que vai a votos no dia 25 de Maio”.
Rodrigo Moça reconhece e agradece todo o apoio da autarquia: “o Presidente da Câmara, Aires Pereira, sempre se mostrou disponível em ajudar. A sua preocupação com os problemas do Varzim acabou conselheira da formação desta Comissão Administrativa. A Câmara apoia financeiramente a formação, fundamental para o desenvolvimento do clube. Esse apoio é faseado, mas penso que isso acontece também com os outros clubes e associações desportivas do concelho”.
O Varzim do futuro está a ser preparado no presente? “Temos uma massa associativa única no país. Estamos na liga 3 e temos em média 3 a 4 mil adeptos por jogo. Com o Felgueiras tivemos cerca de 5 mil pessoas a assistir ao jogo. Por isso, acredito que o Varzim estando numa posição confortável, o número de adeptos crescerá ainda mais. Temos terrenos no Parque da Cidade onde irá nascer uma Academia. É uma promessa que tem já algum tempo, mas que por problemas financeiros, aumento de passivo e má gestão, tem protelado a questão do desenvolvimento da Academia. Construir a Academia será uma prioridade da nova direcção. O Varzim bem gerido tem a possibilidade de voltar a ser um grande clube. Nestes quatro meses não falhei nenhum jogo fora e os nossos adversários falam do Varzim com respeito, admiração e algum lamento por sentirem que tem que pertencer a outros campeonatos por onde já andou e fez valer a sua raça e glória. Todos acreditam, eu mais que ninguém, que o Varzim tem um potencial enorme para regressar a um passado que o glorificou e de estar numa situação confortável e de saúde financeira”.
Entre Lobos-do-mar e Lions Club da Póvoa de Varzim
“Sou uma pessoa social e solidária. Como quem não tem tempo arranja sempre tempo, eu sou bem exemplo disso. No Lions Club da Póvoa tenho uma equipa que me ajuda imenso, dois vice-presidentes, uma secretária e uma tesoureira que tem sido a chave fundamental para o seu bom funcionamento”.
Presidente do Lions nos últimos dois anos, Rodrigo Moça, entre um desfilar de actividades de cariz social destaca ‘O Mar começa aqui...’ pela sua vertente ambiental: “Levamos um azulejo às escolas e colocámo-lo ao pé de uma sarjeta por onde todas as águas que ali entram, mas também o lixo, beatas de cigarro, embalagens de plástico, papeis ou outros objectos que vão parar ao mar. É uma forma de sensibilizar as crianças e os jovens que mais facilmente conseguirão mover a atitude dos pais que estão sempre preocupados com outras coisas. Ensinando e sensibilizando os mais novos, conseguimos chegar aos mais velhos. Com melhor ambiente o futuro é mais saudável”.
Os tradicionais jantares solidários dos Lions junto das IPSS ou a angariação de Cabazes de Natal, “em parceria com a Acção Social da Câmara Municipal, obtemos informação das pessoas mais necessitadas e oferecemos alguns cabazes a essas famílias. Outra vertente dos nossos jantares e actividades é angariar fundos para o combate ao cancro infantil. Todos os anos, temos o Chá Solidário no dia da mulher, onde se reúnem cerca de centena e meia de pessoas. Este ano, fizemos questão de doar ao Banco Alimentar. Todos os anos fazemos a Feira da Saúde no Diana Bar. Fazemos alguns diagnósticos, exames, rastreios à visão, com a presença de pessoal médico e de forma gratuita. Também homenageamos, em cada ano, os melhores alunos das escolas do Município que dão o salto para as universidades”.
O que podemos contar do Rodrigo Moça depois de deixar os cargos que ocupa? “Na direcção que vai a votos no Varzim integro a lista como Presidente do Conselho Fiscal. Formarei uma equipa com mais duas pessoas, um economista e um contabilista que em cada trimestre quer saber da realidade do clube. Por isso, irei ser um fiscal nos próximos anos em relação à direcção que dentro de dias será eleita. Serei também o próximo presidente da Assembleia da Associação Empresarial da Póvoa de Varzim. Já foi eleito o novo presidente do Lions que tomará posse em Outubro, o Miguel Matos, mas passarei para Past-presidente. Ou seja, estarei sempre a acompanhar o presidente. Eu como tenho um grande Past-presidente que é o José Manuel Almeida, que me ajudou imenso nestes últimos dois anos, toca-me a mim, agora, ajudar o Miguel Matos. Somos cerca de 108 membros, é o maior clube Nacional reconhecido internacionalmente. Com a Vera Rodrigues fiz o livro dos 40 anos de história do Lions da Póvoa. Foi uma forma de reconhecer todo o trabalho dos presidentes e dos seus elementos ao longo das quatro décadas”.
Um último olhar de Rodrigo Moça direccionado ao desporto: “O concelho tem campos sintéticos em quase todas as freguesias, fruto de uma política acertada da Autarquia. Porque isso incentiva a juventude a praticar desporto, que é meio caminho andado para termos bons alunos, bons homens e mulheres e boas pessoas acima de tudo. É bom viver aqui porque há uma preocupação da Câmara Municipal, do seu presidente, das empresas, instituições e das pessoas que vivem a terra e na terra que todos gostamos de engrandecer. Nesse sentido, o Varzim e o Lions também têm feito a sua parte”.
Por: José Peixoto
Fotos: Rui Sousa