Em homenagem a Fernanda Poveira que passou a frequentar a nossa memória desde quinta-feira, dia 27 de Junho, recuperamos a rubrica “Vidas Por Contar” publicada na edição do jornal A Voz da Póvoa de 17 de Outubro de 2016.
A Escola Trocada pelos Negócios
Maria Fernanda Pinto, mais conhecida por Fernanda Poveira, nasceu em 1929, na Póvoa de Varzim. Abandonou a escola na segunda classe para se dedicar à venda de fruta. Aos 15 anos adquiriu uma banca no mercado dos Torreões. Em 1955, casou com Alfredo Vaz, pai da sua única filha. Em Janeiro de 1962 emigrou para o Brasil, onde, com o marido, se dedicou ao negócio da panificação e mais tarde, à construção civil. Integrou a direcção da Casa dos Poveiros de São Paulo.
Hoje, Fernanda Poveira é detentora de um largo património, fruto de árduo trabalho e do jeito que desde criança demonstrou para o negócio: “com nove anos fugia da escola para ajudar uma vizinha a vender fruta na Praça dos Torreões e levava as sacolas das senhoras finas a casa e recebia umas gorjetas. Nessa altura vivíamos no lugar do Coelheiro, Senhor do Bonfim”.
Fernanda Poveira desfia as suas memórias: “Depois o meu pai, que era afinador na fábrica do Santos Graça, tomou conta da tasca do Escondidinho, na Rua das Lavandeiras, e eu comecei a vender cerejas, num tabuleiro, na esquina da Câmara Municipal. Foi o meu primeiro negócio, mas nunca deixei de ajudar a minha antiga vizinha na Praça. Até que uma senhora idosa e doente passou-me a sua banca por um determinado valor. Como tinha apenas 15 anos e não podia ter nada em meu nome, a minha vizinha pagava as contribuições por mim”.
Até ir para o Brasil, Fernanda Poveira vendia fruta na Praça da Póvoa e na feira de Vila do Conde, mas também fornecia algumas pensões e o Casino: “O único tempo que tinha para namorar, às escondidas do meu pai, era quando ia receber dos clientes”.
Fernanda Poveira reconhece que não foram motivações financeiras que a levaram a emigrar para o Brasil: “fazia cinco anos que o meu marido tinha ido para São Paulo e a minha mãe insistiu que fosse buscá-lo, porque não era casada nem solteira. No primeiro mês chorava todos os dias, mas depois habituei-me a trabalhar na padaria. Os negócios começaram a correr de feição e fui investindo. Cheguei a ter três padarias e um negócio de camiões de transporte. Depois parei com os transportes e comecei a fazer casas para alugar”.
A visão para o negócio levou Fernanda Poveira a apostar no ramo da construção civil: “eu vivia na cidade de Osasco, estado de São Paulo. Morava junto a um pedaço de avenida sem asfalto, terrenos e casas velhas de italianos e japoneses que queriam vender e ir embora dali. Ao fim de dois anos comecei a comprar aquela avenida toda”.
Fernanda Poveira trabalhava na padaria de segunda a segunda, das cinco da manhã às nove da noite. Vendia pão e leite, mas tinha também um bar. “Aos domingos tinha duas máquinas a assar frango para fora, mas ia sempre à missa. O meu marido distribuía o pão pela madrugada e de tarde com três pedreiros ia restaurando as casas e lojas que comprávamos para alugar”.
Com “esta vida escrava” ganhou muito dinheiro mas sempre soube investir. “Fiz um salão para servir casamentos e como em Osasco, em 1980, ainda não havia campo de futebol e as equipas tinham que ir jogar para São Paulo, comprei um terreno e construi uma escola de futebol e aluguei a um professor, que ensinava crianças das oito ao meio-dia. Durante a tarde e à noite treinavam e jogavam futebol três equipas de fábricas. Quem trata desse negócio agora é o meu neto”.
Como a vida também tem que ser vivida, Fernanda Poveira vendeu as padarias e a partir de 1983 começou a vir dois ou três meses por ano à Póvoa, para a casa frente à igreja Matriz que já foi Câmara Municipal: “vim para esta casa com os meus pais, com 15 anos e casei aqui. Por baixo era uma taberna, conhecida pela Tasca do Pintainho, vendia bacalhau frito e malgas de vinho. Era alugada aos meus pais, mas acabei por comprá-la com dinheiro que ganhei no Brasil. A minha mãe era urdidora na fábrica do Santos Graça e eu nasci no meio dos teares, foi ele que me levou no carro para o Colheiro, onde os meus pais moravam. Por isso o meu bairro foi sempre a Matriz”.
E concluiu: “Em São Paulo sou a Poveira para toda a gente. Aos domingos quando saio para as festas portuguesas uso o meu avental poveiro com um grande orgulho”.
Por: José Peixoto