Voz da Póvoa
 
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Clube Naval Povoense a Bordo do Coração e do Futuro

Clube Naval Povoense a Bordo do Coração e do Futuro

Pessoas | 15 Novembro 2024

 

Inverteu os papéis da idade e nunca foi tão jovem. Continua a crescer e a dar passos na imortalidade iniciada pelo Povoense, António Santos Graça, que sonhou um Clube Naval e que, entre amigos, o fundou a 18 de Setembro de 1904. A mais antiga agremiação desportiva, cultural e bairrista, nos seus 120 anos foi capaz de dourar histórias de vela, vela adaptada, vela integrada no desporto escolar, vela de cruzeiro, surf, bodyboard, pesca desportiva de alto mar, mergulho, apneia, natação e pólo aquático. A notável instituição de Utilidade Pública e Desportiva foi agraciada pela Câmara Municipal com a Medalha de Ouro de Reconhecimento Poveiro. Continuam a ser as razões do coração a impulsionar a actual direcção liderada por Paulo Neves, a dar passos na grandeza do Clube Naval Povoense.

“Para não deixar passar uma data tão importante, criámos uma agenda com alguns eventos culturais e sociais. A 30 de Novembro vamos ter a Gala de encerramento das comemorações, onde iremos entregar troféus a atletas em destaque nos últimos anos. Vamos também entregar emblemas de prata e de ouro aos associados. Isto não significa que não possa haver mais algum evento”.

Uma das modalidades em destaque tem sido o Bodyboard. Paulo Neves explica as razões: “Temos feito uma grande aposta nesta modalidade e as coisas aconteceram mais rápido que o imaginado. Com a preciosa ajuda dos antigos atletas, os mais novos têm alcançado resultados muito bons, históricos mesmo, o que reforça a qualidade da nossa escola. Mas, temos outros campeões em várias modalidades”.

As deslocações ao estrangeiro para participar em provas do calendário europeu ou mundial obrigam a despesas maiores: “o Bodyboard é a secção que mais apoio financeiro necessita porque as provas do campeonato do Mundo são no Brasil, no Chile, em Espanha, o que implica viagens e estadia. O clube tem meios próprios de financiamento para a escola, juntamente com a quota atleta mensal, e para as deslocações, algumas até ao Algarve, para participar no campeonato nacional. Quando há um atleta que pode discutir e ambicionar um título ou quando se trata de alguém que pelo trabalho desenvolvido nas competições nacionais, merece estar presente numa prova internacional, tentamos ajudar o máximo possível, mas não conseguimos financiar toda a despesa de deslocação, ficamos pela metade ou perto disso. São os próprios pais dos atletas que sustentam a outra parte das deslocações ao estrangeiro. E não é um atleta que se destaca, são vários. Digamos que vamos tendo um orçamento com uma bolsa para as eventualidades e quando é preciso vamos buscar essas verbas para ajudar os atletas que se destacam”.

Não sendo uma modalidade com grande projecção nacional como é que o CNP consegue manter várias equipas de Pólo Aquático entre seniores e formação? “Há dois aspectos importantíssimos. O primeiro é a disponibilidade das piscinas da Varzim Lazer em horário nobre, ou seja, quando termina a escola e os atletas ficam livres para treinar. O único senão é que as piscinas não têm as dimensões oficiais para podermos fazer os jogos em casa, o que nos obriga a uma deslocação até às piscinas da Senhora da Hora. Se jogássemos aqui na Póvoa teríamos um boa claque de apoio e uma motivação extra para os atletas. Recordo que para a prática do Pólo Aquático, a piscina não pode ter pé. Em segundo lugar, a procura que temos é fruto de uma boa divulgação que fazemos todos os anos junto das escolas das várias modalidades que temos. São os miúdos que escolhem a modalidade que querem praticar e temos tido muita procura para a prática do Pólo Aquático. No clube é a única modalidade que tem um jogo de equipa, e de água não existe mais nenhuma. Todas as outras modalidades são muito individuais ou com equipas de dois, como na vela”.

No Pólo Aquático a bola serve de bóia, mas é uma para todos: “É um jogo muito exigente e só com grande capacidade física os atletas conseguem. Há treino de ginásio, de natação e de jogo. Os jogadores fazem arranques muito rápidos, têm que pegar na bola e elevar-se na água, não só para rematar, como para defender. Mesmo quando estão aparentemente parados têm que nadar”.

A Escola do Mar abriu as Portas do Ensino à Pratica da Vela

“O nosso investimento neste projecto é proporcionar a aprendizagem da vela e o contacto com o mar a todos os jovens da comunidade escolar do concelho da Póvoa de Varzim. Começamos pela piscina, as aulas são dadas nas instalações do clube, depois vão todos para o Mar numa embarcação à vela. Estamos a falar do 3º e 4º ano. Atendendo que estão envolvidos 1200 miúdos, acabamos por captar alguns, uma pequena percentagem, mas também não é esse o objectivo. As embarcações foram cedidas pelo Ministério da Educação. Este apoio surge através do projecto do Desporto Escolar nas modalidades náuticas, onde há um esforço muito grande na Vela que nos proporcionou aderir a este projecto”.

Quais foram os outros ganhos que a Escola do Mar do desporto escolar trouxe ao clube? “Ganhámos mais notoriedade pelo excelente trabalho em prol da comunidade, segundo, conseguimos ter uma vida diária no clube, quando era mais notada aos fins-de-semana. Ou seja, temos alunos nas instalações do clube durante toda a semana, miúdos novos que se mexem muito, que empregam muita alegria a tudo o que fazem e o Clube ganha com essas vivências. Com a aproximação dos pais, alguns antigos atletas do CNP, outros por acompanhar os filhos acabam por procurar uma modalidade para praticar. Ficamos todos a ganhar”.  

Há uma coordenação atempada entre as escolas e o Clube Naval? “O principal problema e desafio é o transporte das crianças. Há coordenação com o Ministério da Educação, com a Direcção Regional, e com a direcção de cada uma das escolas do concelho. Os horários estão previstos na opção desporto. A grande dificuldade é trazer os miúdos, por exemplo, de Rates até ao clube e levá-los de volta, com tudo que isso implica, os custos de transporte, a disponibilidade de transporte, a existência de condutores habilitados a conduzir autocarros de transporte de crianças, que cada vez são menos. É uma logística complicada, mas com a ajuda da Câmara, temos conseguido tornar isto possível”.

Qual foi a receptividade das famílias dos pescadores? “Nos primeiros anos da Escola do Mar, quem mais resistência fez para que os filhos e netos não viessem para a Vela, foram os pescadores que associavam a vinda para o mar com as mortes que tantas vezes afecta a comunidade. Ou seja, não queriam expor os filhos e os netos a uma situação que sentiam como perigosa. Quando se aperceberam que realmente as condições de segurança que o Clube Naval oferece durante a prática de Vela, libertaram-se desse estigma. Hoje, já não vemos a família toda encostada à grade a observar os seus filhos a ir para o mar, mas no primeiro ano e segundo vinha a família toda para, se necessário, acudir no que fosse preciso. Os próprios professores tinham um certo receio das reacções dos pescadores. Hoje, isso não existe, conseguimos alterar essa mentalidade. Hoje, já perguntam quando é que começa a vela e se a escola do filho está no programa. Foi um trabalho muito importante que fizemos, trazer os filhos e netos dos pescadores para o mar”.

A Natação, uma modalidade que esteve ausente do Clube, neste seu regresso começa a apresentar resultados positivos: “É uma das modalidades mais antigas, mas foi interrompida. Um dia,  o Eng.º Aires Pereira, na altura Vereador do Desporto, apercebendo-se que havia muitos atletas da Póvoa a praticar a modalidade e a dar cartas em outros clubes, desafiou o CNP a avaliar a possibilidade de fazer regressar a Natação. O clube abraçou a ideia desde que tivesse condições para a praticar. Isso aconteceu com a cedência das piscinas e voltámos novamente a praticar a modalidade. Como os resultados da natação são muito exigentes - estamos a falar de vitórias ao milésimo de segundo - temos vindo a evoluir e a conseguir cada vez melhores resultados individuais e já temos campeões em várias classes”.

O Clube Cresceu em Modalidades e em Número de Atletas

“Nunca tivemos no clube tantas modalidades, mas penso que atingimos o número que o clube comporta. Temos muita solicitação para o remo e para a canoagem, mas entendemos que nas cidades vizinhas já existem clubes com a máquina montada e um rio a condizer. Actualmente, temos cerca de 400 atletas e embora a imensa maioria seja poveira, não somos tão bairristas ao ponto de não receber atletas de outros concelhos. Por vezes, causa alguma incompreensão porque aproveitam-se dos resultados para homenagear os atletas dos seus concelhos, mas quase sempre esquecem de mencionar o clube onde estes praticam a modalidade e conquistaram os títulos. Nós, por exemplo, nunca esquecemos de agradecer o apoio da família dos atletas”.

A carolice já não chega para as exigências do desporto, mesmo em clubes amadores? “Todas as modalidades têm que ter treinadores credenciados, com formação obrigatória. Na vela, além da formação dos treinadores, são obrigatórios certos equipamentos de segurança, normalmente embarcações de apoio. Num treino normal de fim-de-semana, temos quatro treinadores e quatro embarcações que são pertença do clube. Ou seja, temos embarcações de escola, de competição da prática de vela e embarcações de apoio que são de proximidade entre os treinadores e os atletas, mas também de segurança, embarcações modernas, vistoriadas em cada ano e ligadas por um sistema de comunicação oficial VHF. Quando não podemos sair da barra, fazemos os treinos dentro do porto, não é o ideal, mas é o possível. No mar, além de um campo enorme e sem obstáculos, o vento é mais constante, não tem as barreiras dos edifícios”.

 O clube organiza imensas competições, “somos organizadores em todas as modalidades oficiais e não oficiais. As ligações entre cidades é normalmente feita em embarcações de cruzeiro. São embarcações mais vocacionadas para a rapidez, umas mais competitivas e outras mais de lazer. Normalmente, fazemos regatas costeiras ou com Viana do Castelo ou Leixões.

Organizar uma prova é o mesmo que jogar em casa? “Se organizarmos uma prova de Bodyboard na Póvoa, estamos em vantagem sobre os outros, não é pela claque, mas pelas ondas que já conhecemos, pelos ventos ou pelo fundo do mar que também conhecemos. Na vela é igual, nas piscinas só a claque pode ajudar porque o ambiente é igual em todas elas”.

A modalidade de vela IOM onde o clube já conquistou alguns títulos nacionais, para Paulo Neves começa a despertar grande interesse: “É uma modalidade que recebe muitos antigos velejadores que por qualquer motivo não podem ir para o mar numa embarcação normal. Para não se desligarem da vela, fazem regatas com esses pequenos modelos porque as regras são exactamente iguais, assim como o conhecimento e o entusiasmo que gera. Quando fazem uma regata, ao fim de algum tempo, parece que estão a bordo do barco e aquilo mais parece um brinquedo. Estamos a tentar incutir isso nos nossos miúdos, para que comecem a entrar mais cedo nesta modalidade. Depois, é mais fácil dar uma aula de regras de regata com embarcações na água do que num quadro de uma sala de aulas. O barco não tem motor, o comando eléctrico é só para comandar as velas e o leme”.

Dirigir um Clube é Saber Partilhar Aprendizagens e Conhecimentos

“Cada elemento da direcção é responsável por várias secções. Existe também uma figura intermédia, os seccionistas e depois os treinadores. Se bem que, hoje em dia, está tudo muito delegado nos treinadores. Como também têm a formação conseguem gerir bem, não só os treinos como toda a mecânica da secção. E temos funcionários do clube que apoiam na secretaria ou na parte logística”.

Mesmo num clube amador há necessariamente alguns profissionais: “Hoje em dia é impensável um clube com alguma dimensão não ter profissionais na sua estrutura, a carolice não é suficiente para resolver os milhares de assuntos que há para tratar, a burocracia é muito grande e tudo tem que ser tratado de forma oficial - os seguros, exames médicos, autorizações dos pais, as deslocações, as reparações, tudo tem que ser feito por profissionais. Temos 12 funcionários a tempo inteiro e cerca de dez treinadores. Hoje é impensável não haver uma remuneração para quem dedica imensas horas de trabalho no clube. Somos um clube amador no que diz respeito aos atletas, nenhum é profissional, e temos perdido com isso. No Pólo Aquático fomos em tempos campeões nacionais e vencemos a Taça de Portugal, neste momento isso é praticamente impossível porque não competimos com jogadores profissionais, ao contrário de outras equipas. Nas modalidades completamente amadoras a disputa é mais realista, mais justa e temos conquistado títulos em todas elas”.

E acrescenta: “Não vou falar de mim, mas um presidente tem que gerir o clube do topo da pirâmide. Ou seja, tem que ser alguém capaz de ver de cima, reconhecendo que na especialidade cada um tem a sua autonomia, o presidente não intervém em tudo directamente, mas tem que saber e respeitar os estatutos do clube”.

O Naval sobreviveu a todas as intempéries e é hoje o mais velho clube na Póvoa de Varzim e dos mais antigos no país: “O Clube nos primeiros 60 anos fez serviço de turismo, de beneficência, ajudou a erguer monumentos, divulgava a Póvoa nas cidades vizinhas, organizava festas e excursões, organizava quermesses para angariação de dinheiro para as vítimas de naufrágios, era um clube muito interventivo na cidade além de alguma actividade desportiva que já detinha. A partir dos anos 60 passou a dedicar-se exclusivamente ao desporto náutico, nessa altura começaram a surgir instituições que começaram a ocupar esses lugares. O clube chegou a ter uma biblioteca e uma sala de leitura, e nos anos 70 era a única sede que tinha um televisor. A raridade enchia muitas vezes a sala de gente”.

Um clube de mar tem hoje mais proximidade com os pescadores? “Cada vez mais. O pescador já não vive só para o trabalho e para a pesca. Tem outra formação, uma mente mais aberta, são mais jovens e percebem que quem pratica uma modalidade náutica é uma pessoa que também lhes diz respeito. Hoje, os pescadores vão ao mar porque gostam de ir ao mar, já não é por obrigação. É uma vida dura, mas ainda há aquela raça de poveiros. Depois, temos muitos problemas comuns, o assoreamento da barra, a distribuição do porto, estamos do mesmo lado e precisamos uns dos outros. No mar isto já acontece há séculos, ajudam-se mutuamente. Temos tido uma relação excelente com as associações de pesca, mas no dia-a-dia no mar, cruzamos uns com os outros e há sempre o aceno, o cumprimento”.

O clube nas últimas décadas teve um grande desenvolvimento, mas Paulo Neves não atribui no seu todo o mérito à direcção: “Temos que reconhecer o papel do Eng.º Aires Pereira que foi dando condições para que o clube crescesse. É certo que ele percebeu que o Clube tinha capacidade, vontade de fazer e de crescer. Foi uma parceria que funcionou muito bem entre a Câmara e o Clube que serve os poveiros. É para esta comunidade que trabalhamos”.

Por: José Peixoto

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