Voz da Póvoa
 
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A Póvoa de Varzim à Vela no Clube Naval

A Póvoa de Varzim à Vela no Clube Naval

Pessoas | 19 Dezembro 2021

Olhar o mar até à linha dos navios imaginários é criar em nós o poveiro que somos, nascidos ou adoptados pela terra do Cego do Maio, homem que explica o arrojo de uma comunidade que escreveu à vela o seu futuro. Futuro que em 1904 viu nascer o Clube Naval Povoense (CNP), fundado por António Santos Graça, é hoje a mais antiga agremiação desportiva, cultural e bairrista. Foi agraciado pela Autarquia com a Medalha de Ouro de Reconhecimento Poveiro e notabilizado como Instituição de Utilidade Pública e Desportiva.
 
Para sabermos como navega e avança, fomos conversar com Paulo Manuel Braga Vieira Neves, que se equilibrava nos seus 12 meses de idade quando em 1962 os pais professores, colados a dar aulas na Póvoa de Varzim, o trouxeram para a terra onde vive. Como velejador no Clube Naval, foi atleta federado de Windsurf e chegou a ocupar o 7º lugar no Ranking Nacional. Tornou-se no mais jovem presidente do Clube Naval Povoense, cargo que ocupa nas últimas duas décadas.
“O mar cativou-me por viver perto dele, ali ao lado do Desportivo da Póvoa, onde pratiquei várias modalidades. Depois, a vela chamou-se e nunca mais me desliguei do Clube Naval. Fui praticante, seccionista, director e hoje sou presidente”, recorda.

Velejadores e pescadores, uma relação de entreajuda: “Cruzámos muitas vezes no mar, naturalmente mais perto da costa. Havia sempre um adeus, um olá e quando estávamos em dificuldades, virados, os pescadores desviavam o seu rumo para nos ajudar, aconteceu muitas vezes, até comigo. Agora, temos barcos de apoio, mas na altura não havia, nem sei como escapámos tantas vezes a essas aventuras”.

A continuidade da vela no mar ganhou ainda mais força com a reconstrução da Lancha Poveira do Alto, uma proposta do antigo director do museu e da biblioteca municipal, Manuel Lopes. “A partir daí toda a história das lanchas foi revivida com a reconstrução da réplica da Fé em Deus. Na altura, era director do Clube Naval e o Alberto Marta o presidente. Inicialmente, a tripulação da lancha era composta por antigos pescadores e a outra metade de velejadores. Voltámos a ligar o passado da vela nos barcos poveiros à vela de competição do Naval Povoense. Neste momento, temos também vela adaptada e vela radio-telecomandada com modelos onde só é preciso mexer dois dedos”.

Ser presidente do clube não estava nos horizontes de Paulo Neves: “Fui sempre muito voluntarioso em casa, no trabalho, no clube. Quem dirige um clube amador como o nosso está atento a isso. O presidente Alberto Marta convidou-me para seccionista de Vela, mais tarde para director e passei a integrar a direcção do Naval. Na altura o objectivo era a construção da Marina e logo que estivesse pronta, o Alberto Marta dizia que deixava a presidência. Depois da inauguração convidou-me a assumir a presidência. Recusei, mas ele insistiu e falou aos restantes directores se aceitavam que eu fosse presidente e fez quase uma lista por mim. Fui sempre o director mais novo do clube e acabei também por ser o mais novo presidente. Como surgiu uma segunda lista houve debates na rádio, entrevistas nos jornais, ou seja, a Póvoa começou a movimentar-se à volta do Clube Naval Povoense. Venci com uma imensa maioria, isso trouxe outras responsabilidades porque muita gente apostou em mim. Ao longo dos anos, fomos renovando as direcções em escrutínio. O presidente tem o seu papel, mas o êxito é de todas as pessoas que trabalham para o clube, desde directores, treinadores e funcionários e realmente crescemos muito nos últimos anos, porque passou a haver um projecto no sentido de sabermos onde queríamos chegar, passamos a ter objectivos”.

E recua na memória de um tempo ausente: “Uma das grandes mudanças foi organizar as finanças do clube e inscrever-nos em organismos que não estávamos ligados. A responsabilidade da Marina trouxe uma actividade lucrativa que obrigou a um maior rigor nas contas. Tínhamos 240 lugares vazios, na época alguma imprensa local dizia que aquilo ia ser um elefante branco, mas sempre acreditámos que era possível preenche-los. Se olharmos para as nossas instalações, teremos talvez o maior Posto Náutico do País. Na altura, era uma imensidão para um clube que tinha estado a ocupar um barracão junto ao Instituto de Socorros Náufragos naquele período de transição. A partir daí foi rentabilizar as instalações e crescer ao nível desportivo”.

A nova Marina, recentemente inaugurada trouxe novas embarcações de recreio: “Foi sempre uma aspiração do clube e é desde Maio uma nova porta do mar para a Póvoa. Sempre que é possível encaminhamos barcos estrangeiros para a nova Marina, para ficarem mais perto de tudo. Este ano temos a possibilidade de receber barcos maiores que não era possível passarem o inverno na marina sul. Neste momento, temos cerca de 30 barcos. Temos 140 novos lugares, mas penso que é uma boa ocupação para uma marina que entrou ao serviço há seis meses”.

O Clube Assumiu Por Inteiro os Desportos Náuticos 

A viagem no tempo de seccionista a presidente: “Tínhamos vela, mergulho com escafandro, havia caçadores submarinos, mas a actividade náutica resumia-se praticamente a essas modalidades. Desde que assumi a presidência achei que o desporto náutico na Póvoa, a sua prática deveria estar associada ao Naval Povoense, e a primeira abordagem foi feita aos miúdos do Surf. Seguiu-se o Pólo Aquático que precisava de um clube para representar a equipa que foi formada por algumas pessoas que queriam praticar esse desporto e por fim veio a Natação. Os nadadores poveiros estavam todos espalhados por clubes da região, principalmente no Fluvial Vilacondense. Os atletas treinavam nas piscinas Municipais da Póvoa e representavam clubes de fora. Com o apoio da Câmara, as piscinas foram disponibilizadas para a natação e para o pólo aquático, uma aposta ganha! Mais tarde, reactivámos as actividades subaquáticas. Veio o desporto escolar, apostámos na escola de vela e tudo foi crescendo, também porque os meios são outros que não existiam há 30 anos”.

As piscinas da Varzim Lazer não têm condições para a prática oficial do pólo aquático, isso obriga o CNP a jogar em casa emprestada, mas Paulo Neves acredita que a seu tempo a solução chegará: “Somos os grandes utilizadores da piscina. No horário nobre já não nos chega, precisávamos de uma segunda. As dimensões da piscina da Varzim Lazer não permitem provas oficiais, tanto em natação como pólo aquático. Isso obriga-nos a fazer os nossos jogos em casa na piscina da Senhora da Hora, em Matosinhos. Ou seja, jogamos sempre fora. Se jogássemos na Póvoa teríamos menos despesa e com certeza mais público a apoiar as equipas de pólo, um desporto emocionante. As dimensões que precisam ser alteradas são apenas na profundidade. Creio que as obras acabarão um dia por ser feitas pela autarquia e passaremos a ter os jogos em casa na presença do nosso público”.

O Pólo Aquático já venceu a Taça de Portugal e ainda recentemente esteve muito perto do título nacional. “Neste momento, os nossos adversários já têm jogadores semiprofissionais e isso faz toda a diferença. Nós chegámos a apresentar na equipa principal atletas de escalões inferiores, ter um adulto com um 1,90 metro a jogar com um miúdo de 17 anos, faz diferença na água”.
 
Todas as modalidades são amadoras: “Somos e vamos continuar a ser, é a nossa essência. Tentamos distribuir os meios disponíveis por todos, não temos propriamente uma modalidade onde apostamos mais, são todos filhos da mesma mãe. Quando competimos é sempre para ganhar. Acontece que por vezes há outros clubes que têm melhor formação ou mais sorte e ficam na nossa frente. Temos dois ou três treinadores profissionais, os restantes têm uma pequena compensação pelas horas de treino que disponibilizam, mas não vivem disto. Temos tido sorte com os treinadores que são quase todos formados no Clube Naval. A excepção é o treinador espanhol de Pólo Aquático, que é madrileno mas veio fazer o que gosta e viver ao pé da praia. As deslocações de atletas são custeadas quase por inteiro pelo clube e quando são para o estrangeiro é um esforço maior, porém apoiamos sempre. Ressalto: os campeões são sempre uma referência. Um bom atleta tem que ter por trás um bom treino, nada acontece por acaso. Os miúdos passam a ter uma referência, alguém de que gostamos na modalidade que praticamos ou queremos praticar”.

Escola no Mar e Vela para o Desporto Escolar

O Clube é hoje uma escola no mar e outra em terra: “Como somos virados para o mar, estamos sempre a ter ideias novas e actividades. Um dos projectos mais recentes é o Desporto Escolar. Conseguimos com o Ministério da Educação, que os alunos das escolas secundárias do concelho da Póvoa e algumas de Vila do Conde pudessem optar pela modalidade da vela no Desporto Escolar, proporcionando a cerca de 300 jovens, em cada ano escolar, praticar a modalidade no nosso clube. Quanto à Escola no Mar foi uma candidatura que apresentámos à Fundação Gulbenkian que apoiou um projecto para trazer os jovens da escola do primeiro ciclo ao mar. A intenção é torná-las capazes de enfrentar um mundo em mudança, daí a integração do projecto nos programas do Desporto Escolar, sem desligar da matéria curricular do ano que frequentam”.

Paulo Neves resume o que é estar à frente de um clube centenário: “É uma grande responsabilidade para todos que fazem parte desta equipa. Temos uma história que não podemos esquecer nem defraudar. O clube neste momento tem mais de 400 atletas em várias modalidades. Além disso, servir o Clube Naval é crescer saudável e seguro de si. O nosso mar é algo agreste, mas temos todas as condições de segurança, vamos avançando à medida que os miúdos se vão adaptando. Consequentemente os atletas vão crescendo e a certa altura são eles que querem ir para o mar, mesmo que haja ondulação e vento forte. São miúdos com garra e temos muitos exemplos de sucesso no desporto, nos estudos, na vida. Muitos voltam com os filhos para os inscrever nas nossas modalidades porque entenderam que foi muito importante para o seu crescimento e pode ser um caminho a seguir pelo filho. Não só o desporto em geral, que é saudável, mas os desportos de mar têm essa componente de risco, que os fortifica e os obriga a ser mais destemidos. Quanto à direcção vai continuar a honrar os antepassados que fundaram o Naval Povoense”.

O clube Naval adquiriu um barco ecológico, alimentado por painéis solares: “Veio a meio do verão, mas o registo, as inspecções e licenciamento têm a sua demora, e não pudemos pôr o barco a fazer passeios turísticos sem estar completamente legal. Quando isso aconteceu, proporcionámos passeios a muita gente, temos tido algumas actividades isoladas, mas queremos na próxima época balnear conhecer a Póvoa vista do mar, um passeio de uma forma ecológica e não poluente”.

Há sempre sonhos por realizar, “o que nos faz mover é desejar sempre mais. Estamos a trabalhar no sentido de trazer estágios de vela para a Póvoa de Varzim, de equipas do norte da Europa que no inverno não podem praticar desportos náuticos. Isso pode ser uma mais-valia para o Clube Naval Povoense”, conclui Paulo Neves.

Por: José Peixoto 

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