Voz da Póvoa
 
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A Cultura Popular do Bairro da Matriz

A Cultura Popular do Bairro da Matriz

Pessoas | 10 Maio 2022

O velhinho bairro da Matriz viu nascer há mais de um século o Rancho Tricanas do Cidral. Com as festas do São Pedro em 1962, as tricanas dançaram, encantaram e desfilaram para o futuro. Não admira que a 15 de Julho de 1985, tenha sido criada, no bairro, a Associação Cultural e Recreativa da Matriz, registada em definitivo a 2 de Dezembro desse ano.

Como saber mais é não estar farto, fomos conversar com Paulo Sérgio Neiva Portela. Este poveiro nasceu em 1992, é designer de profissão e assume o pelouro da cultura da Associação: “Entrei em 2009, para jogar futebol. Era ainda adolescente e já treinava o escalão de escolinhas da Matriz, os mais pequenos do Inter-freguesias, aliás continuo a colaborar. Integro a direcção da associação desde 2014. Para além do futebol, temos ténis de mesa, atletismo, defesa pessoal e danças de Salão. Na cultura, o Rancho Tricanas do Cidral e as rusgas são os principais, mas daí derivam alguns grupos, como o das Janeiras e o teatro”.

O Rancho Tricanas do Cidral renasceu depois de uma paragem longa, “fruto da persistência de pessoas que descendiam ou estiveram directamente envolvidas até o Rancho parar. Quando se institucionalizou a Associação surgiu a oportunidade de o fazer renascer, e bem, em 1985. O grande suporte, desde alguns anos a esta parte tem sido o S. Pedro. Ou seja, há muitos jovens que tem contacto pela primeira vez com o Rancho, dada a proximidade de exibições e a convergência de algumas, a exemplo dos tronos, acaba por despertar neles esse interesse em prolongar o que fazem no S. Pedro durante o ano, principalmente de verão onde a actividade do Rancho se faz notar mais”. 

E Paulo Portela explica como são cativados os jovens: “A primeira forma é envolvê-los, a segunda é dar-lhes noção da responsabilidade de dançar num dos mais antigos Ranchos do país e o mais antigo do concelho. É também procurar, quando temos actividade ou a podemos desenvolver de forma plena, ter um calendário de exibições estimulante, quer a nível da viagem ou do convívio e do próprio local onde actuam. Essa é a principal bandeira. Depois, entre o rancho e as rusgas há elementos que convergem. O rancho dá auxílio à rusga quando é necessário, quer na parte inicial de ensaios, quer na formativa, principalmente aos mais pequenos. Começa aí o despertar do interesse dos futuros componentes do rancho”.

As canções têm identidade própria: “Há uma separação clara. A rusga tem um repertório e o rancho tem outro. Em 2020, ano do centenário, tínhamos programado a recuperação de todas as marchas antigas e as próprias marcações para colocar em palco durante esse ano. Infelizmente não foi possível devido à pandemia, conseguimos no início de Dezembro no aniversário da Associação, fazer uma pequena mostra do que pretendíamos e pretendemos. O objectivo é recuperar o que tínhamos, manter o que temos com qualidade e fazer da nossa história a nossa bandeira. Recordo que o Rancho renasce num espectáculo cultural ‘na Matriz minha saudade’ e que estávamos a pensar repeti-lo no ano do centenário. Agora que a pandemia aliviou, queremos envolver os jovens em desafios diferentes, porque não se trata de uma produção profissional”.
 
As deslocações do rancho implicam despesa: “Por regra é a Associação que comporta os custos, a autarquia sempre que pode, fornece transporte. Por norma, gerimos esse apoio nas deslocações mais distantes. Geralmente, levamos os componentes e pessoas que apoiam na logística. Felizmente também existe muita carolice e interesse por parte de algumas pessoas, que em veículo próprio fazem a viagem e acompanham o grupo nas digressões que fazemos. Há contratos que são pagos, o que nos ajuda a suportar alguns custos. A maioria são permutas, argumentos que enriquecem os dois lados e acontecem frequentemente. Organizamos também anualmente, em Agosto, o ‘Festival das Tradições’, onde envolvemos para além do folclore outras componentes artísticas, como grupos de bombos ou danças alternativas”.

O São Pedro e um Bairro Feliz é na Matriz 

“O contágio também passa pela alegria, pelo gostar e isso tem permitido continuar. As pessoas têm respondido. Parámos a meio de Dezembro quando o número de casos começou a agravar, até então tínhamos estado quase meio ano a preparar o próximo com as melhores espectativas. Foi frustrante, mas percebemos que foi por um bem maior. Tivemos que o fazer para poder voltar a fazer tudo de novo outra vez. É importante não dar passos em falso”, alerta Paulo Portela.

As marchas do S. Pedro têm que ser preparadas a tempo. As últimas notícias são animadoras: “Reunimos a rusga e os ensaios vão começar. Depois há toda a logística envolvente, como a preparação dos arcos para a rusga, entre outros materiais. Desta vez, as festas vão sair à rua, mas teremos sempre que ter alguns cuidados a cumprir. Esperamos voltar a apresentar 20 pares na rusga sénior e outros 20 na rusga infantil”. Como habitualmente há sempre um tema em cada ano para dedicar ao S. Pedro, mas a sua divulgação acontece mais próximo das festas. Este ano o Rancho deverá voltar ao largo do Cidral para a noitada do Santo António”.

A tradição de manter nas rusgas os pares solteiros é para continuar: “alguns pares dançam há mais de uma década. Acontece adiar casamentos para poder dançar na rusga uma última vez. Os primeiros namoros, o amor e depois o casamento acontecem nas rusgas e no rancho. Actualmente, a nossa rusga não passa os 25 anos e a pessoa mais nova andará nos 16, 17 anos. Temos conseguido manter esta tradição, quando não for possível teremos que ajustar”.

As despesas dos aventais ou blusas são das componentes da rusga, confirma Paulo Portela: “Cada ano, as tricanas abrilhantam mais. E não é só mais uma pedrinha, é uma blusa nova e um avental. É um investimento particular elevado. Verificamos isso tanto na rusga como no rancho. Há exibições em que as tricanas querem experimentar o novo avental. Há liberdade dentro das regras de o fazer à maneira delas. Há quem tenha quase um museu em casa, pelas mudanças do vestir ao longo dos anos”.
 
Uma das principais actividades eram os jantares temáticos: “Concluídas as obras, as condições são outras e em breve voltaremos aos jantares temáticos e outras iniciativas, como o São Martinho, na nossa sede. Queremos permitir aos avós partilharem momentos com os netos. A Matriz sempre foi conhecida pelos sassaricos e pelos bailes. É uma forma de apresentar em palco a nossa cultura popular. Temos uma banda com elementos que já não são jovens e têm todo o tempo para ensaiar. Participam nos jantares temáticos e fazem a entrada de alguns eventos que organizamos”.

As pessoas quando deixam de habitar o bairro não deixam de ser do bairro e muitas vezes continuam a participar nas iniciativas: “O nosso bairro é muito grande e está disperso por outras colectividades, como Belém, Mariadeira e Regufe. Padecemos por ser um bairro enorme, mas temos uma relação muito forte com as outras três colectividades. Nós também temos muita gente a morar nos outros bairros porque a zona centro da cidade é menos acessível à carteira. Cada vez mais temos pessoas que foram viver para as freguesias mais próximas, mas continuam a ser do bairro, a colaborar e a praticar, desde a cultura ao desporto”.

Na pétala do bem-me-queres, Paulo Portela tem como desejo “devolver à Matriz a dimensão que achamos que ela tem. Assumimos o compromisso de abrir portas a toda a gente para que possa participar, experimentar, viver a Associação. No fundo é continuar o testemunho que nos foi deixado em mãos”.

Por: José Peixoto

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