Voz da Póvoa
 
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A Arte Popular a Construir o Caminho da Tradição

A Arte Popular a Construir o Caminho da Tradição

Pessoas | 13 Abril 2023

 

Do povo, é sempre de povo que nasce toda a cultura. Depois damos-lhe o rótulo de popular ou de erudita. Pelo meio todas as artes vivem ou sobrevivem pelo gosto pessoal de cada um, mas também pela educação ou formação cultural de cada um. Há no entanto, um todo que se resume à nossa sensibilidade para ouvir ou escutar, ver ou observar, sentir ou participar. 
  
Não tarda, o Grupo Recreativo e Etnográfico “As Tricanas Poveiras” faz 30 anos de história. Foi a 4 de Julho de 1993 que se realizou a intenção de formar um grupo de danças e cantares que honrasse o nome da Póvoa de Varzim e as suas tradições.
“Por altura das festas de São Pedro, em 1993, fizemos um convívio dos antigos componentes da primeira rusga do Sul (1962) da qual faziam parte o Bernardino, a Alice Moita e a Irene peixeira, entre outras. Durante esse acto festivo a Irene colocou a possibilidade de darmos continuidade à ideia e criar um grupo. Nas três décadas passadas fizemos duas digressões no Brasil, uma para a casa de Viseu e outra para a Casa dos Poveiros, e também representamos em França. Penso que As Tricanas Poveiras têm um percurso cultural exemplar”, recorda António Fernandes Pereira.

 O Presidente das Tricanas Poveiras nasceu, a 8 de Agostos de 1946, em Bombarral, mas cresceu na Rua do Cidral: “O meu pai era Tanoeiro e foi fazer a vindima ao Bombarral. A minha mãe grávida de mim foi de comboio visitá-lo e quando lá chegou aproveitei um tempo para nascer. Tenho três meses de Bombarral, terra que só conheci quando festejei 50 anos, e levei lá a minha família. Fui ver onde o meu pai trabalhou, mesmo perto da estação do caminho-de-ferro”.

Quando a fase da adolescência acabou, veio a escola e o trabalho, “fui funcionário do registo civil, depois trabalhei num escritório, veio a tropa, o casamento e os filhos”. Mas, é ainda um adolescente quando o bichinho do palco se fez observar: “foi quando entrei para a Juventude Operária Católica, onde por lá andei uns anitos. Fiz muitas representações teatrais, de 1961 até casar em 1965. Fui também componente do Rancho Poveiro. Nos chamados teatros de paróquia, tive em Olinda Poças a minha mestra e ensaiadora. Era também ela que encenava e ensinava a doutrina. Mais tarde também ensinei doutrina e ajudava à missa”.

António Pereira reconhece que foi no tempo em que cumpriu o serviço militar, que teve contacto com outras realidades culturais que ajudaram a abrir outras portas: “Fui parar ao Conselho Administrativo do Hospital de doenças contagiosas na Calçada da Ajuda, em Lisboa. Nessa altura, ofereciam convites para o Coliseu, Parque Mayer, para o futebol, entre outros. Geralmente, o Comandante do Hospital, um tenente-coronel, deixava os convites para quem quisesse. Aproveitei e comecei a ver teatro no Parque Mayer. Aquilo era monumental. A certa altura, pedi para estrar nos bastidores e vi as costureiras que trabalhavam por lá, mesmo com as peças a decorrer. Fui mantendo a curiosidade e quando cheguei à Póvoa, terminada a tropa, comecei a trabalhar. Em 1989 escrevi a primeira revista e ofereci à Juvenorte ‘Toma que já almoçastes’. A partir daí escrevi várias peças de revista que foram representadas pela Associação da Matriz ou Académico de Belém. Durante um certo período fui também ensaiador do Rancho do Cidral e do Rancho de Belém”.

E acrescenta que As Tricanas Poveiras “vêm por inerência à minha participação em grupos de danças e cantares. No início dos anos 60 dançava no Rancho Poveiro, que tinha como ensaiador o senhor Bernardino, como havia falha de homens para integrar a rusga do Sul, levou-me com mais dois rapazes. Mas, o meu bairro é a Matriz onde cresci e fui educado. Para além da enorme festa do São Pedro, na rua do Cidral também se festeja o Santo António. 

A História das Artes Cénicas não se Faz sem o Teatro de Revista

O Teatro de Revista de António Pereira embebe-se de usos e costumes das tradições poveiras, o pão da sua escrita: “Neste género, marcadamente popular, o José de Azevedo foi o iniciador e criou bastantes peças de sucesso. Eu comecei em 1989 e vão quase 33 anos a escrever peças, a representá-las em cima do palco, a ensaiar as danças, a fazer de tudo um pouco, sempre por gosto. Desde o início que sou o ensaiador das Tricanas Poveiras, passei recentemente a pasta ao meu neto, André Pereira, que está nas Tricanas desde os 4 anos. Ele não queria, porque tem dois filhos a crescer, meus bisnetos, mas acabou por aceitar e integrou-se bem neste trabalho”.

O campo onde se cultivam os quadros a representar é vasto, “trabalhamos figuras típicas da nossa terra. Recriamos tempos idos, como a memória dos militares do antigo quartel a engatar uma sopeirinha. Na Póvoa sempre houve muitas figuras típicas, há muito por onde explorar. Depois ficciona-se sempre um pouco com alguma paródia típica da revista à portuguesa, um pouco mais de sal e pimenta para que o gozo e a gargalhada aconteçam. Há figuras típicas que dão um pouco mais de elevação à peça. Depois, gosto muito do musical e para mim as melodias de sempre são eternas. Não mudo a música, mas por vezes altero as quadras para condizer com o que pretendo ver representado no palco. Tenho em palco actores dos 7 aos 83 anos. Tenho quase 60 pessoas a trabalhar comigo. Chegamos a ter uma escola de teatro com vários miúdos a representar e na altura escrevi duas ou três peças”.

Para António Pereira, “tirar as pessoas de casa, dos seus afazeres domésticos, dos programas de televisão, das novelas, às vezes com tempo mau, para os ensaios é dose. São pessoas que se dedicam a isto. Eu faço isto há 33 anos, mas tenho pessoas no palco comigo há 30. E o António Costa está comigo desde o início. Também não os largo, vou sempre buscá-los para estas brincadeiras culturais. Faço os ensaios por parcelas, quadro a quadro. Temos as roupas, os adereços, a montagem de cenários. Há aqui muito trabalho e tem os seus custos. Para subir ao palco com uma peça é preciso ter sempre uma certa qualidade. Digamos que há um padrão, uma exigência da minha parte. Somos todos amadores, mas em palco cada um faz o melhor que sabe. Nos ensaios, onde também há a orquestra, há muita brincadeira pelo meio, mas no dia da apresentação ao público são um exemplo de entrega”. 

A Opereta Maria foi sete vezes à cena: “Na primeira apresentação no Auditório Municipal, tive a ajuda do Dulcídio Marques. As outras fiz por minha conta e risco. A última que apresentei no Cine-Teatro Garrett fica para a vida - cenários autênticos e uma orquestra muito boa e cantores excelentes. Na Opereta Poveiros, que nunca tinha sido encenada na Póvoa de Varzim, foi mais complicado, o Alberto Gomes tem músicas muito difíceis. Quem me pediu para encenar foi o violinista João Silva e o Sepúlveda. Na altura, consegui uma solista que fez um trabalho excelente. Dentro da minha ousadia e do meu saber, com o músico e maestro Abel Carriço, levámos a Opereta à cena. A tocata foi sempre o meu suporte”.

Um pouco antes do palco, dias, horas… “Normalmente, aparento muita calma, mas cá dentro vive sempre alguma ansiedade. Antes da estreia de uma peça juntamo-nos todos atrás do palco e digo sempre que o que escrevi é deles, dos artistas que vão representar, cada um deve fazer o seu melhor. Eu assumo a responsabilidade, mas todos temos que ser disciplinados naquilo que assumimos. A Maria Desterra diz que olha nos meus olhos e sabe se a peça correu bem ou mal”.

Um sonho para a Associação “está prometido o espaço ao lado da sede onde a autarquia tem um arquivo. Para nós é óptimo e temos o projecto para aquilo que desejamos. O espaço onde estamos tem boas condições e é um lugar privilegiado, com os pescadores e o mar tão perto. Viemos do antigo quartel para esta sede que foi feita de raiz, com cozinha e as condições necessárias. Precisamos de melhorar a entrada. O espaço ao lado foi-nos prometido pela Câmara. Será no futuro um salão com camarins e um palco de 60 centímetros. Dará para fazer jantares, ensaios e até exibições. Todos os anos o nosso plano de actividades é cumprido, só a pandemia nos impediu de concluir.

Da Direcção da Associação futebol Popular à Cultura das Tricanas
 
António Pereira, para além das Tricanas Poveiras, é também o Presidente da Associação de Futebol Popular da Póvoa de Varzim (AFPPV), e recuou 40 anos quando se organizaram os primeiros campeonatos: “Era vogal na Junta de Freguesia da Póvoa quando tudo começou, comigo e com o Chico Pontes. Eu já organizava torneios de futebol de salão desde 1976. Foram as doze freguesias do concelho que iniciaram o Inter-freguesias. A Câmara foi a entidade organizadora e os presidentes da Junta faziam parte da comissão. Na verdade, isto começou pelo telhado, porque para dar continuidade a um trabalho temos que ter jovens. Na altura o Presidente da Câmara Municipal, Manuel Vaz, chamou-me ao seu gabinete, ao Chico Pontes e outros que foram indicados. Comecei em 1983/84 com uma equipa da Junta de Freguesia da Póvoa e na época seguinte já iniciámos com um escalão jovem e assim sucessivamente. Hoje, temos seis escalões a participar”.

E recorda que depois de criada a Associação de Futebol Popular, “o campeonato já movimentou quase 4 mil atletas, neste momento movimenta cerca de 2300 atletas. Chegamos a ter 19 equipas a participar. Neste momento, na cidade da Póvoa temos duas seniores a participar. A Matriz que participou durante 33 anos não se inscreveu nesta época. O senhor Manuel Rei saiu e eles ficaram um pouco órfãos”.

Segundo António Pereira, nas últimas quatro décadas registou-se uma grande evolução: “Fizemos cursos de treinadores de primeiro nível, que é uma forma de ficarem por cá, cursos de árbitros, de socorrismo, de massagistas, de tudo um pouco na vida do futebol e da associação. Naturalmente, que isto envolve muita gente. Os árbitros são muito apoiados porque é precioso haver disciplina. De qualquer forma, somos sempre criticados por termos que castigar quem prevarica, seja pelo árbitro ou o Conselho de Disciplina, mesmo cumprindo as regras e o regulamento”.

Por acréscimo nasceu a Federação Portuguesa de Futebol Popular do Norte, “também fui seu presidente, secretário, vice-presidente e presidente da Assembleia Geral, andei por lá 14 anos. Ocupei vários cargos. Esta Federação levou daqui algumas raízes, foi sede na Póvoa, fizemos 12 galas no Casino e por vezes fazem aqui o acto de posse. Sede como esta, eles não têm em lado nenhum, até porque somos, a nível nacional, uma das associações que movimenta mais atletas de ambos os sexos”.

Quando o raro faz bem: “Tivemos árbitros que mostravam cartão vermelho à assistência. Provocava o riso e a pessoa acalmava. Quando a bola ia para um pontapé de canto os adeptos corriam para lá. Hoje, as equipas apresentam-se bem preparadas, com treinadores competentes, bons equipamentos, não falta nada. Os clubes de freguesia têm complexos desportivos de fazer inveja a muitos clubes federados. O presidente da Associação de Futebol do Porto quando veio presenciar a final da Taça e da Supertaça da Póvoa, reconheceu isso mesmo”.

Para o Presidente da AFPPV, o Inter-freguesias “é uma valência para as crianças que acabam por se afastar de muitos sítios e lugares impróprios para consumo. Quando começámos a ter escalões jovens, eu passava por certos tascos em que o pai bebia um copo enquanto jogava e o filho molhava o bico de vez em quanto. Observamos que temos aqui um viveiro de miúdos a formarem-se desportivamente e como homens. Antigamente, falava-se muito nas freguesias, mas agora valoriza-se mais o concelho. Hoje há miúdos da Póvoa a jogar nas equipas de qualquer freguesia do concelho”.

O Varzim que durante tantos anos teve nas suas equipas Lobos-do-mar parece ter desaprendido de pescar: “O senhor Albano era o olheiro do Varzim. Antigamente, ele ia ver a canalha a jogar nas ruas, na esplanada do Carvalhido e quando via um jovem com jeito levava-o para o Varzim. Agora, temos todos os escalões de formação no Inter-freguesias, é uma questão de fazer o mesmo e o Varzim só tem a ganhar, mas faltam os olheiros. Na verdade, já saíram jogadores de qualidade. O Bino de Aver-o-Mar foi pescado pelo Varzim e mais tarde foi campeão pelo FC Porto. Temos miúdos que foram treinar ao Benfica. A qualidade dos jogadores também por cá mora”.

Por José Peixoto 

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