Voz da Póvoa
 
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Uma Odisseia Portuguesa

Uma Odisseia Portuguesa

Opinião | 23 Março 2023

 

Nos últimos anos o panorama literário sobre o fenómeno migratório tem sido profusamente enriquecido com um conjunto expressivo de obras de autores nacionais ou lusodescendentes residentes no estrangeiro, que através do mundo dos livros têm dado um importante contributo para o conhecimento de múltiplas dimensões da realidade emigratória portuguesa.

Um dos exemplos mais recentes, que asseveram a importância destas obras na análise e compreensão da emigração nacional, encontra-se vertido no livro Une Odyssée Portugaise (Presque Ordinaire), da autoria do professor lusodescendente Mário Queda Gomes.  

A obra, escrita em língua francesa e lançada no alvorecer deste ano com a chancela da Cadamoste Editions, um projeto editorial criado em 2020, sediado em Bourges, no centro da França, que tem procurado estreitar os laços culturais luso-franceses, constitui-se como um romance/homenagem comovente da emigração portuguesa.

Mário Queda Gomes, que nasceu no final dos anos 70 perto de Paris, e é atualmente docente de português na região da Normandia, aborda no livro Uma Odisseia Portuguesa (Quase Normal), o percurso de vida do seu pai Carlos, natural da Beira Alta, que antes de chegar a França em 1975, passou pelos eventos traumáticos da descolonização em Angola.

Ao longo da narrativa ficcional inspirada na odisseia paterna, o escritor lusodescendente mergulha num dos capítulos mais marcantes da história da emigração portuguesa, o ciclo da emigração lusa para França nas décadas de 1960-70. Ao longo das páginas é rememorada a miséria que impeliu entre 1954 e 1974, a saída legal ou clandestina, de mais de um milhão de portugueses em direção ao território francês à procura de melhores condições de vida.

Assim como, a vida difícil dos portugueses nos “bidonvilles” dos arredores de Paris, enormes bairros de lata, com condições de habitabilidade deploráveis, sem eletricidade, sem saneamento nem água potável, construídos junto das obras de construção civil, como os de Saint-Denis ou Champigny, que nas décadas de 1960-70 albergou mais de uma dezena de milhares de portugueses.

Como realça a casa editorial luso-francesa que apadrinha a obra, Mário Queda Gomes, escreve “o romance de milhares de emigrantes portugueses pelo mundo e talvez também o romance universal de todas essas pessoas que vieram de fora, claro, mas que vieram de algum lugar também. Esta história escrita na primeira pessoa do singular, com um carácter forte e um ritmo constante, indo do riso às lágrimas e das lágrimas ao riso, traça assim a juventude deste herói (quase vulgar) nascido sob a ditadura de Salazar, que chegou a França, em 1975. Ao mesmo tempo narrador e personagem central, Carlos empresta a sua voz tragicômica a esse outro, esse ser humano que tanto se parece connosco e que só aspira a uma coisa: conseguir uma vida melhor”.

 

Daniel Bastos, historiador

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