Ao revisitar as belíssimas “Crónicas, A-Ver-o-Mar” da escritora Luísa Dacosta, natural de Vila Real mas Poveira de Aveomar por adoção, encontrei imagens de uma realidade hoje praticamente extinta. Uma praia quase agrícola de pescadores de adubo. Território dual, povoado por agricultores da beira-mar a quem o mar não emociona tanto como as batatas e o milho que plantam, tratam e vêm crescer.
Eis que se aproxima Joaquim Serrinha, um dos muitos personagens que a autora convocou para as suas crónicas; homem “magro e escanifrado” dono de uma proverbial gaguez.
Socos de camponês nos pés “todo lampeiro de cesto no braço.” desde logo anuncia ao que vem: “ver se armava um gigotinho de lapas” “Vim ver se ... mas estou a ver que não arranjo nada”, o mar vivalhão não deixa.”
Desconsolado, agacha-se a desfiar conversa sobre lapas, claro! “uma petisqueira ... então fritas !? “
Joaquim Serrinha podia ter chamado à conversa outros apreciados sabores: a maresia que vem dentro dos mexilhões crus, as percebes arrancadas aos penedos batidos pelas ondas, o recheio cor de laranja dos ouriços zelosamente guardado pelos temíveis picos, ou os caranguejos miúdos das rochas assados na brasa, um petisco de comer e “cuspinhar”.
Mas hoje vinha com as lapas na ideia.
Controlando a gaguez tímida e nervosa, afoita-se a descrever a receita:
“Primeiro botam-se as lapas numa gamela e por riba água a ferver para as desagarrar. Depois passam-se por muitas águas por mor das areias”.
Num tacho põe-se a cebola às fatias a estalar, com cibo de azeite, pingue de rejoada ou gordura que não bula com o corpo e meixe-se, meixe-se, meixe-se”. “O Serrinha deleitava-se naquele lento remexer da cebolada como se o cheiro lhe estivesse a entrar pelas narinas, sôfregas. Depois da cebola estar bem loira botam-se as lapas, deixa-se cozinhar mais um pouco.
Digo-lhe que é “um petisco, mas um petisco de estalo!”.
João Sousa Lima