Este escrito convoca memórias e segue a entrevista de Manuel Fernandes o grande capitão do Sporting ao jornal A Bola, conduzida por José Manuel Delgado.
À memória fui buscar um jogo que tive o desprazer de ver meia parte, em Guimarães durante o reinado dum presidente de cujo nome não me quero lembrar. “Foi um jogo inesquecível (7-1 ao Benfica) e, quando vencemos o Benfica ficámos perto do primeiro lugar. Onde começámos a cair foi em Guimarães. Eu fiz um a zero, mas acabámos por perder 1-3”. A lotação esgotou e aconteceu que alguém resolveu abrir os portões permitindo a entrada dos que não tinham conseguido bilhete. Era tal a tensão na bancada onde me encontrava que bastaria uma faísca para a tragédia acontecer. Vi um pai com filho menor em pânico e, anos mais tarde, li testemunho de alguém que tinha sofrido o mesmo temor, o que o levou a afirmar que nunca mais tinha entrado num estádio. Saí ao intervalo indignado com a situação. Cá fora, duas “senhoras” bem ataviadas de peles, berraram quando se avistaram: Oh! Fulana, como é que está o jogo? - Estamos a perder! O árbitro é um ladrão! – F---- o, f---- o!.
Esta memória negativa não apaga a que os sportinguistas guardam deste grande goleador, só superado pelo Peyroteu, mais os quatro golos que marcou ao eterno rival. A imagem que nos ficou deste homem, pai fragateiro na margem sul do Tejo transportando mercadorias dos navios que fundeavam no Tejo para terra, projecta-se para além do futebol. Depois de sair da CUF, já em 1975, depois do 25 de Abril, graças ao fim da Lei da Opção. Acabei o contrato e fiquei livre. Chegou a acordar com o FCPorto mas acabou no Sporting, a ganhar menos do que até o Belenenses oferecia.
No Sporting, a única vez que me exaltei com ele – Presidente João Rocha - foi quando soube que tinha contratado um jogador que acabou por fazer meia dúzia de jogos, a ganhar mais do que eu e disse-lhe: presidente, vou-me embora, o que me estão a fazer é uma vergonha. É evidente que me deu a volta e no dia seguinte fomos almoçar juntos.
A estória que conta da tentativa de contratação pelo Benfica, Você tem aqui um cheque de 30 000 contos, é sinal de tempos e de homens que já é difícil encontrar. Fiquei a tremer, nunca tinha visto números daqueles, com 30 000 contro comprava Sarilhos Pequenos (terra da sua naturalidade). Disse-lhe que iria falar com a família e que no dia seguinte daria resposta. Mas nunca mais disse nada.
“Na altura tínhamos valores e eu não me estava a ver a jogar no Benfica, que respeito. Mas para mim sempre houve coisas mais importantes que o dinheiro”.
“Quando subi o Campomaiorense, tive um convite do major Valentim Loureiro para ir para o Boavista e recusei. Disse-lhe: Desculpe Major, mas eu não viro as costas a esta gente. Tratam-me como um Deus, não sou capaz.”
É gente como Manuel Fernandes que ainda nos trazem exemplos de dignidade e de cumprimento da palavra, porque o dinheiro não é tudo!
Abílio Travessas
Um homem no futebol
Este escrito convoca memórias e segue a entrevista de Manuel Fernandes o grande capitão do Sporting ao jornal A Bola, conduzida por José Manuel Delgado.
À memória fui buscar um jogo que tive o desprazer de ver meia parte, em Guimarães durante o reinado dum presidente de cujo nome não me quero lembrar. “Foi um jogo inesquecível (7-1 ao Benfica) e, quando vencemos o Benfica ficámos perto do primeiro lugar. Onde começámos a cair foi em Guimarães. Eu fiz um a zero, mas acabámos por perder 1-3”. A lotação esgotou e aconteceu que alguém resolveu abrir os portões permitindo a entrada dos que não tinham conseguido bilhete. Era tal a tensão na bancada onde me encontrava que bastaria uma faísca para a tragédia acontecer. Vi um pai com filho menor em pânico e, anos mais tarde, li testemunho de alguém que tinha sofrido o mesmo temor, o que o levou a afirmar que nunca mais tinha entrado num estádio. Saí ao intervalo indignado com a situação. Cá fora, duas “senhoras” bem ataviadas de peles, berraram quando se avistaram: Oh! Fulana, como é que está o jogo? - Estamos a perder! O árbitro é um ladrão! – F---- o, f---- o!.
Esta memória negativa não apaga a que os sportinguistas guardam deste grande goleador, só superado pelo Peyroteu, mais os quatro golos que marcou ao eterno rival. A imagem que nos ficou deste homem, pai fragateiro na margem sul do Tejo transportando mercadorias dos navios que fundeavam no Tejo para terra, projecta-se para além do futebol. Depois de sair da CUF, já em 1975, depois do 25 de Abril, graças ao fim da Lei da Opção. Acabei o contrato e fiquei livre. Chegou a acordar com o FCPorto mas acabou no Sporting, a ganhar menos do que até o Belenenses oferecia.
No Sporting, a única vez que me exaltei com ele – Presidente João Rocha - foi quando soube que tinha contratado um jogador que acabou por fazer meia dúzia de jogos, a ganhar mais do que eu e disse-lhe: presidente, vou-me embora, o que me estão a fazer é uma vergonha. É evidente que me deu a volta e no dia seguinte fomos almoçar juntos.
A estória que conta da tentativa de contratação pelo Benfica, Você tem aqui um cheque de 30 000 contos, é sinal de tempos e de homens que já é difícil encontrar. Fiquei a tremer, nunca tinha visto números daqueles, com 30 000 contro comprava Sarilhos Pequenos (terra da sua naturalidade). Disse-lhe que iria falar com a família e que no dia seguinte daria resposta. Mas nunca mais disse nada.
“Na altura tínhamos valores e eu não me estava a ver a jogar no Benfica, que respeito. Mas para mim sempre houve coisas mais importantes que o dinheiro”.
“Quando subi o Campomaiorense, tive um convite do major Valentim Loureiro para ir para o Boavista e recusei. Disse-lhe: Desculpe Major, mas eu não viro as costas a esta gente. Tratam-me como um Deus, não sou capaz.”
É gente como Manuel Fernandes que ainda nos trazem exemplos de dignidade e de cumprimento da palavra, porque o dinheiro não é tudo!
Abílio Travessas