Voz da Póvoa
 
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Um dia na vida, de alguma clausura, com a “peste”

Um dia na vida, de alguma clausura, com a “peste”

Opinião | 25 Novembro 2023

 

O noticiário das 8, na Antena 1, desperta-me. Sena Santos, um dia no mundo, sempre, mais os comentários sobre a economia. Pequeno-almoço variado começa quase sempre com uma sopa, por vezes um ovo cozido, pão escuro de centeio, fruta da época das fruteiras da quinta e o café. Calcorrear os arruamentos da quinta com alguns exercícios físicos e respiratórios, visitando a bicharada, “cabras doidas”, o galinheiro que alberga galinhas, patos, alguns bravos que por aqui ficaram, gansos agressivos, coelhos poucos, porquinhos-da-Índia, uma fraca solitária, tudo em liberdade. Ah! Galinhas, patas e gansas, estão no “choco”, alguns pintainhos e gansinhos já nasceram. Famílias a aumentar… Há ainda a Pepa, porca preta que “não vai à faca”, em espaço restrito, barriga quase a arrastar pelo chão.

É tempo de me sentar à pequena mesa, na biblioteca, estantes feitas por mim, carpinteiro amador, onde me dou o prazer de inventariar, catalogar, dar alguma ordem aos livros, revistas, banda desenhada, filmes, discos de vinil, CDs que acumulei durante tantos anos, até aos actuais 75. Comecei com a ficção portuguesa, passei à poesia – em cima da mesa está Ruy Belo, leio um poema por dia – à BD, cinema, História de Portugal que amo sobremaneira, destaque para a era das descobertas mais o grande Fernão de Magalhães – compro tudo que sai, ainda me falta o do Visconde de Lagoa, Fernão de Magalhães: a sua vida e a sua viagem, só nos alfarrabistas. Os estudos portugueses, muitos e variados, ocupam-me agora.

Depois do almoço, uma siesta – aproveito as aulas de espanhol no “ensino em casa” para melhorar a língua – regresso ao trabalho e, pelas 7 da tarde, com algum filme pelo meio, é tempo da caminhada na companhia da família, mais a Bia e o Nero, cadela e cão felizes pela descoberta de novos ares. Olhos bem abertos e sensibilidade quanto baste no desfrute da paisagem, a Estrela quase sempre no horizonte, por caminhos debruados a muros de pedra, património rural abandonado, casas de granito destelhadas, testemunhos de outras vidas de quase auto suficiência em outros tempos; “aparelhos de elevar a água de rega”, título do livro de Jorge Dias e Fernando Galhano, como são as noras e as picotas ou cegonhas, aqui com o nome de cavaleiros, os restos de moinhos de água, muitos ao longo dos dois ribeiros que correm na aldeia. Mas também a ponte romano-medieval, as sepulturas antropomórficas, os ex-votos, as cruzes rústicas, algumas, modernaças, em pedra polida, bombas d’água, uma em funcionamento, descoberta recente, pedreiras de antigamente onde os proprietários rurais mais abastados iam extrair a pedra para habitação, caminhos… a “civilização da pedra”. A passarada ouve-se desde o pintassilgo, à poupa, o cuco, o melro. O dia termina, jantar, normalmente peixe e sempre a sopa, saboreado, é tempo do noticiário na RTP ou SIC, série da RTP 2 e a hora de leitura, já na cama. O Ano da Morte de Ricardo Reis, é um prazer antes do sono.

Abílio Travessas

 

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