Turistanto Lendas e Lugares – Muito bem acompanhada!
Em algum lugar do passado, entre julho e agosto de 2009, o sol nascia morno sobre Paço d’Arcos e uma gestante, ansiosíssima por ter a “cria” nos braços, levantava-se da cama.
Embora ainda não tivesse dormido o suficiente, já não havia posição que acomodasse aquela gigante barriga que, aos oito meses de gestação, já pertencia mais a outro ser do que a ela própria.
Vestiu-se e rumou para o mercado a fim de fazer as compras para a semana, pois sabia que o soldo já havia sido creditado na conta e estava mais que na hora de reabastecer a despensa.
Apesar do calor varonil, uma brisa marítima soprava leve e trazia consigo o cheiro do mar, juntamente com a certeza da companhia de Yemanjá.
Entrou no mini-mercado, que distava poucas quadras do pequeno apartamento onde residia, e serviu-se do que precisava: leite, ovos, pão, verduras, fruta e uma barra de chocolate para agradar o rebento.
Nunca tinha visto, até a data, tantas pessoas naquele pequeno espaço.
Deu os ombros, alguém certamente haveria de dar-lhe alguma prioridade. E assim foi.
Mal fora vista a encaminhar-se para a fila, já lhe estavam a chamar para que passasse a frente.
A senhora da caixa, sempre muito atenciosa, registava os produtos e já acomodava-os na sacola enquanto perguntava a quantas ía a gravidez.
Na hora do pagamento o cartão foi recusado.
“Saldo insuficiente”, era o que dizia no ecrã.
Incrédula, pediu que a simpática senhora repetisse a operação, mas novamente a mesma mensagem apareceu.
As pessoas começaram a agitar-se na fila, por culpa da demora, enquanto ela revisava mentalmente todas as suas transações monetárias até ali, era impossível aquilo estar a acontecer!
Pediu à senhora da caixa que guardasse as compras, com a promessa de buscá-las mais tarde e saiu atônita do recinto.
Aos prantos, tropeçou e caiu na berma, quase na estrada, e eli ficou estendida a chorar até que um transeunte a ajudasse a levantar.
Sentiu uma mão às suas costas, voltou o corpo para trás e deparou-se com uma senhora que trazia uma sacola entre as mãos.
Mas não era uma sacola qualquer, não, não, não...
Era sacola com as compras que havia deixado no mercado, com a promessa de resgatar mais tarde.
Sentindo-se profundamente envergonhada quis recusar, disse que tinha dinheiro em casa e que depois voltaria para buscar, que estava muito agradecida pelo gesto mas não era necessário e todo aquele discurso que usa alguém que não sabe deixar de lado o orgulho aquando de uma necessidade.
A senhora fitou-a nos olhos como quem perscrutasse-lhe a alma e disse muito calmamente:
“Minha filha, isso tudo que aqui está foi escolhido por ti e para o teu bebé. Leva contigo essas compras pois tas ofereço de coração. Eu também sei o que é passar por um momento de dificuldade”
Fora desarmada! Entre lágrimas de alívio aceitou o gesto e implorou que sua bem-feitora deixasse-lhe o contacto para devolver-lhe o dinheiro outro dia, mas a gentil senhora não aceitou.
Deu-lhe um abraço, desejou-lhe “uma hora pequenina” e foi embora sem olhar para trás.
Nunca mais a viu, mas nunca mais deixou de pensar nela.
Voltou para casa com a sacola na mão, a pensar em como a humanidade é surpreendente e a sentir a brisa marítima que trazia o cheiro do mar, juntamente com a certeza da companhia de Yemanjá.
Odoyá, minha mãe! Grata pela companhia!
Maria Beck Pombo