O inverno marcava sua presença nas bandas de Aver-O-Mar.
Sentada no sofá da pequena e gelada sala de estar, ela cosia, cuidadosamente, o velho casaco de lã que, indubitavelmente, já cruzara estações demais.
Refletia sobre a sua incrível habilidade em proteger seus dedos dos beijos da agulha, e, no entanto, em como falhara sempre, incrivelmente, em salvaguardar seu coração das ferroadas que o Tédio distribuía a três por quatro.
Analisava sua história, sempre tão cheia de aventuras, de contos que arrancaram lágrimas, suspiros e gargalhadas e não podia se permitir entregar menos.
Olhou demoradamente para o agasalho aninhado em seu colo, fitou seus remendos grosseiros e lembrou das inúmeras vezes que ele defendera sua pele do frio agreste, das centenas de momentos em que fora mortalha das lágrimas congeladas que lhe caíam no colo.
Levantou-se e caminhou até a cozinha, conferiu a caixa de medicamentos de forma a certificar-se que a Insatisfação que a consumia e que aquela inclinação insolente que a impelia a jogar tudo para o alto chamava-se Fevereiro e não Carência de Lítio.
Acordou! Fevereiro, lembrou-se que faltava poucos dias para a chegada daquele mês do calendário que ela seria capaz de abdicar sem sacrifício algum.
Ninguém fora capaz, até então, de ajudá-la a deslindar porque a urgência por mudanças chegava sempre nessa época do ano, quando cada desassossego era potencializado e lançado contra a sua sanidade com a radiação de dez mil sóis.
Voltou para a sala e se pôs a admirar as fotografias da família, encantada com a genuinidade de cada sorriso, pois se sabia assim: nunca fora pessoa de eternizar falsos momentos, cada pequeno quadro da sua história era a verdade estampada e nua, sem véus ou máscaras, sem mistérios escondidos a espreitar nas sombras.
Aliviou assim o peso sobre os ombros e cobriu de dourado o coração: nem o Tédio é capaz de matar quem fez da Verdade sua maior aventura!
Maria Beck Pombo