Seguramente ela podia afirmar que os dias tinham mais cor no outono.
O ar gelado marcava de encarnado bochechas e narizes, com beijos enternecidos de boas-vindas.
A silhueta da Escola Margarida Pardelhas se agrandava contra o horizonte e lançava sombras que se assomavam passeio afora, lembrando a todos que o sol morria mais cedo.
No espaçoso pátio da escola um arco-íris de toucas, luvas e cachecóis multicoloridos ganhava vida nas cabeças, mãos e pescoços das crianças que brincavam como se o amanhã não existisse.
Era nesse ambiente que ela se sentia mais feliz, e mais só, curiosamente.
Mas a Solidão que a invadia não era um mau agouro, era mais uma parceira que a acompanhava enquanto ela passeava, inocentemente, sobre os trilhos do trem, a contemplar ao longe a casa do bem-amado.
Muitas vezes se demorava durante tardes inteiras a olhar para a mesma janela, reculutando tempestades, com a bênção de Iansã.
Em algumas ocasiões mastigava o receio de não conseguir domar a tempestade que se armava dentro dela, toda a vez que os desassossegos que trazia cativos em seu peito rompiam os grilhões e transbordavam para o mundo exterior, sob a forma de palavras, açoites e navalhas.
Noutras sentia uma paz sem tamanho a absorver seu ser por completo, deixando apenas um ponto de luz a iluminar o caminho de quem tivesse a sorte de cruzar por ela.
Misturava, dentro de si, uma panóplia de sentimentos controversos, que assim conjugados, não poderiam pertencer a mais ninguém. Como o outono mistura, em uma única estação, o sol e o frio, o fenecer das folhas e amadurecer dos frutos, a despedida do verão e a reverência ao inverno.
Dividia seu tempo entre a soledade dos caminhos de ferro e o rebuliço da escola, colhendo, com o olhar, as cores que encontrava entre essas duas paisagens para pintar as mais belas telas dentro d'alma.
Memórias que, de tão ricas, plata nenhuma poderia pagar.
Maria Beck Pombo