Voz da Póvoa
 
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Turistando Lendas e Lugares – Vai passar…

Turistando Lendas e Lugares – Vai passar…

Opinião | 7 Junho 2022

 

As sombras se adensam ao redor do meu coração, turvando os meus sentidos, contaminando a minha vontade.

Com todo o prazer os ratos roem meus pés e minhas memórias, deixando-me aleijada de corpo e espírito, árvore seca e oca, incapaz de sair do lugar, a albergar os ninhos dos pássaros que nascem, crescem e alçam voo na ânsia de alcançar novos horizontes, enquanto o horizonte que vejo é sempre o mesmo, hora colorido pelos raios de sol, hora gris como as nuvens que chovem.

Tateando o chão, sigo aos tropeços neste caminho solitário e agreste, que se faz cada vez mais longo e desprovido de encruzilhadas.

As Escolhas… essas vão ficando para depois, enquanto espero inerte à beira da Estrada da Vida dos Outros, estática como uma estátua que marca a passagem, como o expectador na estação a contemplar sempre o mesmo comboio a partir, indefinidamente…

Não me levo a lugar algum, sou planta apodrecida, envelhecida, enraizada à espera de ser ceifada. Pedra de margem de rio onde a água não toca, a ver os seixos rolarem e a almejar que um dia a maré suba e me carregue também.

As questões sem resposta invadem a minha mente juntamente com os “Ses”, Senhores das Possibilidades que eu não arrisquei agarrar por medo de ser levada ao destino errado, sem perceber que quem não arrisca não chega a lugar nenhum.

A Solidão me toma de assalto e me mostra o espelho repleto de rugas refletidas, meros esforços sem os louros das conquistas que ficaram escondidas entre escolhas que não fiz. A espera de um ato, heroico ou covarde, que desse um rumo intencional a minha vida, e não apenas esse deixar me levar constante que me carrega lentamente para a cova.

No meu íntimo se concentra apenas o vazio, como o que preenche a mãe dos fetos mortos pela mão do destino, destinada a viver de desesperanças.

            Eu não distingo sensatez de orgulho! Ficar, partir, família ou segurança, a vergonha de voltar atrás contra a frustração de não conseguir seguir adiante.

Amargando a culpa do sal das lágrimas que se fazem percorrer pelo meu rosto quando a alegria alheia, de tristeza, me faz chorar.

Este não é um relato feliz, não fala da infância na fazenda, não fala das brincadeiras no parquinho ou do afeto da família. E ao mesmo tempo, revela tudo isso que, no momento, faz falta.

Esse é o exorcismo da alma através das palavras, que expulsam a dor do meu coração de forma a ser transmutada pela minha consciência.

E essa consciência me diz: vai passar, desde que não passes a vida toda a esperar!

E nela eu creio e me preparo para também voar. Mas não precipitadamente, desatinada, como o desesperar de uma criança que joga ao ar a cria de uma ave que ainda não está preparada para subir aos céus.

Vou cruzar a alvorada como uma Fênix, que renasce das cinzas, cada vez mais sábia e ciente das suas batalhas, onde perder ou ganhar importam menos que simplesmente viver, a saber que a escolha foi minha e foi tomada sem mais esperar que o destino dos outros se cumpra antes de traçar o meu.

Todo o pássaro tem receio da queda, mas ainda assim, livre de quaisquer amarras, alça voo, a confiar que suas asas sempre o levarão para um lugar onde pousar!

 

Maria Beck Pombo

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