Voz da Póvoa
 
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Turistando Lendas e Lugares – Um banho de lama

Turistando Lendas e Lugares – Um banho de lama

Opinião | 18 Janeiro 2022

A lembrança dos pampas gaúchos sempre lhe assaltava o espírito nessa altura do ano, quando o inverno lhe congelava os dedos, as memórias da infância aqueciam seu coração.

Transportava-se para além-mar e podia sentir o perfume inebriante das gardênias, contemplar a forma curiosa das estrelícias, que mais pareciam pássaros laranja e púrpura, prontos a alçar voo e contrastar com o azul-claríssimo do céu.

Resistia bravamente à tentação atrevida de colher os venenosos mini-buquês do cambará, que exibiam suas flores matizadas de cor-de-rosa, vermelho, laranja e amarelo, um verdadeiro convite às pequenas mãos das crianças desavisadas.

Ora subia nos troncos nus das jabuticabeiras para comer seus frutos negros e esféricos, como pequenos berlindes feitos de açúcar, ora lambuzava as mãos e a face do amarelo-ouro da manga madura, recém caída do pé. Noutras vezes, ainda, deliciava-se com a textura crocante e sumarenta dos romãs roubados ao vizinho. Que se tornavam mais doces quanto mais ousado fosse o delito.

O verão tinha outro significado para ela, naquela época.

Significava descer as íngremes lombas nos carrinhos de rolimã, o que rendia a ela e aos amigos muitas mossas, não apenas no veículo!

Subir nas árvores do parquinho em frente a catedral, brincar na caixa de areia, rolar na relva dos canteiros e pintar de verde as camisas brancas da farda da escola, de forma permanente, para o desgosto das mães.

Significava pescar lambaris, com as próprias mãos, no açude da estância Santa Elza, quando esse inundava os campos ao redor depois de um valente toró.

Mas ainda mais marcante que tudo isso, significava os dias passados na casa do avô Pery, a rolar na lama até que, de brancos, só lhe restassem os dentes.

Tempos tão distintos dos de hoje, onde evitamos a todo o pano que nossos filhos percam a compostura diante dos deleites da terra, que os prendemos entre cintos, suspensórios, laços e sapatos e lhes negamos o direito de fazer parte da natureza que os cerca. Talvez pela urgência em que vivemos, sempre cercados de mais e mais trabalho, acabamos por cortar as asas aos mais preciosos pássaros para evitar o trabalho que nos dá torná-los livres.

Acabamos por esquecer que as crianças, enquanto sujam o corpo, limpam a alma!

Maria Beck Pombo

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