Quando nascera, numa manhã primaveril da saudosa década de oitenta, trouxe ao mundo diversas mulheres.
Uma guerreira celta, que prefere a morte ao cativeiro.
Uma aristocrata pré-cristã regida pelos princípios de Aristóteles onde o melhor é aquele que mais sabe, não aquele que mais tem.
Uma bruxa medieval dedicada à cura e condenada pelos curados.
Uma cortesã renascentista, com seus espartilhos e longas saias, a estreitar a cintura e ocultar as pernas, mas jamais a vontade!
Carregara consigo uma china farroupilha do século XIX a reclamar independência, uma poetiza do século XX a navegar entre as páginas escritas por Pessoa, uma cronista do século XXI a semear mensagens para a posteridade, uma filha, uma mãe, uma irmã, uma amiga, uma amante, uma pessoa…
Nascera uma porta-estandarte, a envergar a bandeira da Liberdade.
Da liberdade de sonhar, de amar, de escolher, de ser…
E como todo aquele que não conhece amarras, experimentou da vida o doce e o amargo, o excesso e a míngua, a ribalta e o porão.
Oscilou entre a luz e a escuridão e encontrou o equilíbrio entre ambos, trabalhando a lealdade que deve apenas a si mesma e a todas as partes das quais se faz acompanhar.
Fora farol a iluminar o caminho de uns e tormenta sobre o de outros, anestesia para alguns pesares e navalha em tanta carne que até abdicara de contar.
Carregou consigo um sem fim de remorsos e os afogou antes que eles a levassem, pela mão, para os braços de Iara.
Obrigou então, a todas as mulheres que trouxera consigo, a encarar o espelho, elencar seus defeitos e trabalhar para os transformar em qualidades de modo a garantir boa colheita.
Não importa quantos trazemos connosco, desde que evoluir seja a meta.
Maria Beck Pombo