Ela pegou naquelas chaves como quem se agarra a uma boia em alto mar.
Sentiu-se agradecida com a possibilidade do recomeço, mesmo que aquele espaço lhe causasse arrepios.
Mas, para quem parte qual um pássaro que escapa da gaiola, pelo instinto de ser livre e sem planear onde pousar, qualquer pouso é melhor do que nenhum.
De um momento para o outro, viu-se sentada entre as lembranças e as embalagens e a tarefa, aparentemente simples, de montar uma pequena estante para alojar seus poucos pertences, transformou-se em um verdadeiro pesadelo quando, num rompante de força desmedida, uma das cavilhas se partiu no instante em que ela a tentava enfiar no lugar.
O desânimo lhe invadiu a alma…
Ao encontrar-se assim, completamente só, sentada no chão do escuro e minúsculo apartamento vazio, a tentar desempenhar funções que nunca dantes teria desempenhado sem ajuda.
Empurrou as peças soltas do móvel para o lado, estendeu-se no chão e chorou como uma criança que tem o seu castelo de cartas destruído pelo sopro do vento.
Quis desistir da empreitada, agarrar na única mala que trazia e voltar para o seu pago. Sentir os ternos abraços da família que aguardava, ansiosa, que ela tomasse a decisão de regressar e fazer as pazes com a pátria que a tinha parido.
Mas enxotou a ideia como se de uma praga se tratasse…
Jamais poderia partir pois tinha por essas bandas o filho, a prender-lhe qual uma âncora a Lisboa. Não era justo levá-lo e era impensável deixá-lo.
Ao pensar nele a força despertou, afagando-lhe o espírito, e uma luz radiante iluminou seu pensamento.
Sentiu-se, finalmente, apta a dominar a arte da carpintaria.
Levantou-se do chão, decidida, abriu a mala e buscou qualquer coisa capaz de substituir a peça partida.
Encontrou um bloco de papel que trazia anexado um lápis e a acompanhava, desde sempre, nas suas andanças, a servir de abrigo para os seus momentâneos lampejos.
Agarrou no lápis, afiou-o com a faca herdada do pai, embainhada há mais de trinta anos, mas que, espantosamente, ainda conservava o fio suficiente para o efeito, e foi feliz no intento.
Passou então para o próximo, e o próximo móvel, até olhar ao redor e ver o velho e sombrio apartamento transformar-se, pouco a pouco, em lar.
Pegou no bloco de papel, retirou uma de suas folhas e escreveu, com o bocado do lápis que restara, a seguinte mensagem:
“Sempre que falhares, tenta outra vez. Apenas fracassa quem desiste!”
Colou a mensagem na primeira estante que montou, onde pudesse consultar sempre que a vontade lhe fugisse, e sorriu, orgulhosa de si mesma e da independência que conquistara.
Quem tem pena, papel, coragem e um par de ferramentas, tem o mundo nas mãos!
Maria Beck Pombo