Voz da Póvoa
 
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Turistando Lendas e Lugares – Sin dolor no hay gloria

Turistando Lendas e Lugares – Sin dolor no hay gloria

Opinião | 15 Março 2022

Desde muito guria sonhara em morar fora do Brasil.

Caminhava pelas negligenciadas e sujas calçadas da sua cidade a idealizar uma vida em Montevidéu, em Buenos Aires, onde o tango argentino, cheio de paixão e tragédia, arrebatava a sua alma de poeta.

As vestes, as tradições, mas principalmente a língua de “los hermanos” que dividiam fronteira com o seu Estado, tinham um lugar muito especial no seu coração.

Era a ancestralidade que chamava, o sangue que herdara advindos dos confins do tempo que passava ao seu ritmo, ora lento, ora veloz e, de alguma forma, lhe maneava os pés e as mãos nos enleios da vida cotidiana, domesticando a vontade e cabresteando o espírito.

Mas o mesmo nó que aperta o laço, também rebenta a soga, nem sempre deixando liberto o lado mais fraco.

Dessa forma galopou livre pelos pagos e qual Pegasus cruzou o Atlântico, através das nuvens, para as bandas de Portugal.

Ao deixar para trás a sua restrita esfera Ela, égua xucra de pêlo tordilho branco, aprendeu a ver a beleza que se ilustrava em todas as cores, em todos os traços, em todas as línguas, que lhe contavam histórias sobre o Velho Mundo.

Aprendeu, a duras penas, que a ingenuidade não pode ser sinônimo de tolice e que nem sempre um fio de bigode do seu honrado pai valia mais que qualquer contrato.

Conheceu muitas pessoas incríveis e outras tantas capazes de incredíveis traições.

Experimentou os céus e o inferno entre os becos e ruelas de Lisboa e descobriu, por si só, que no fundo do poço que escavava dentro de si, a pala de incontáveis deceções, havia uma mola que a lançava novamente para a luz, cada vez mais alto, por vezes alto demais…

E, bem sabemos, que quanto maior a altitude, mais dolorosa é a queda.

Colheu, pois, a dor qual cravos vermelho-sangue, sempre a recordar que, por muito que se duvide, a dor ensina e liberta.

Assim, de coração ferido e esperança despedaçada, pôs os pés ao Caminho determinada a encontrar o equilíbrio interior, que nos obriga a deixar para trás as vestes cosidas dos retalhos dos outros e vestir a nossa própria pele. Sem, contudo, abdicar das lições que a convivência com os outros nos permitiram a aprender e buscar o amadurecimento.

Foi na terra dos seus antepassados que encontrou o fio condutor que a levaria a crer novamente na possibilidade do sonho.

O sangue mestiço, parte galego, outra parte mistura de todos os sangues que habitaram as Terras de Vera Cruz, fervia em suas veias quando adentrou a Espanha pela primeira vez.

Nunca pensara chegar tão longe a caminhar pelos próprios pés!

E assim, com a fé que tinha em si mesma renovada, depositou aos pés de Santiago seus cravos já ressequidos, como ferida que cicatriza e agarrou à unha a Força que fazia dela inabalavelmente feliz.

Para alcançarmos a verdadeira plenitude temos de ter a coragem necessária para cruzar as fronteiras que nos apartam de nós mesmos!

 

Maria Beck Pombo

 

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