A voz de Ana Moura preenchia o ar, selando o fado que Ela escolhera.
Iansã soprava um vento morno que amenizava o calor dos últimos dias de verão.
No quintal da irmã por afinidade Ela contemplava o bem-amado a “pilotar” o grelhador, perdido nos próprios pensamentos ou mesmo a pensar em nada, como de costume.
Sempre lhe invejara tal capacidade: a de deixar a mente vagar sem ter a consciência do caminho que percorria.
Ela, que controlava cada recanto da própria consciência e trabalhava nela, exaustivamente, dia e noite, apenas almejava descanso.
Sentia a paz das coisas simples a lhe invadir o espírito, juntamente com o cheiro da relva recém aparada, da alegria de ter os filhos a correr pelo quintal, da estranha sensação de pertencer a algo muito maior que uma casa, uma cidade, um mundo…
Pela primeira vez em muitos meses conseguira estar a sós consigo mesma, independentemente da quantidade de gente que se reunia em seu entorno.
Esta casa tinha tal particularidade: a de pacificar o seu coração, como se o levasse de volta ao pago sagrado da terra natal.
Era uma das razões pelas quais Ela não acreditava em Acasos: tudo na Vida tinha o seu propósito, quanto mais não fosse recompensar com abrigo e repouso a quem dele precisasse.
E, verdade seja dita, era tudo que ela constantemente precisava, já que o empenho em aparar tantas arestas, de tantas diferentes personalidades que habitavam sob o mesmo teto não era tarefa fácil de levar a cabo.
Muito embora colhesse com mais que satisfação cada fruto que amadurecia, cada louro que cobria e benzia, com abundância e prosperidade, o seu Ori.
Cada ferida que cicatrizava sob os seus cuidados compensava com o brilho de mil estrelas que lhe iluminavam a Alma e lhe faziam resplandecer com a iridescência do próprio sol.
Como é bela esta Vida!
Consegue perceber essa realidade aquele que não vislumbra os obstáculos como o fim da linha e sim como um degrau em uma longa escada, como apenas um patamar a subir na escala da Evolução.
Ah, como pode ser feliz aquele que compreende que a Felicidade está na plenitude de simplesmente depositar nas mãos do Destino o coração aberto e a alma liberta para o sentir dos medos, das amarguras, do amor, das alegrias… pois só conhece o que é doce aquele que do amargo provou, e por ter dele experimentado reconhece o verdadeiro valor do mel e, acima de tudo, que o mel não vem gratuitamente ao seu encontro.
Iemanjá lhe cobria os ombros com seu manto azul-celeste e apaziguava seu ser enquanto ela agradecia ao Universo por conseguir nele fincar suas raízes, esquecendo-se de almejar um encontro prematuro com o Desconhecido.
A Vida se torna mais simples quando nos limitamos a praticá-la, sem a complicar com as nossas teorias!
Maria Beck Pombo