Voz da Póvoa
 
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Turistando Lendas e Lugares – Sem manual

Turistando Lendas e Lugares – Sem manual

Opinião | 20 Abril 2022

Sentados lado a lado contemplavam a paisagem passar diante dos seus olhos.

Vez por outra trocavam um par de palavras, com a sensação de que elas se haviam esgotado, mas no interior de seus corações sabiam que finitas não eram as palavras, e sim o tempo que lhes escorria por entre os dedos, agora entrelaçados à espera da despedida.

Ela não poderia saber que pensamentos perpassavam o interior daquela cabecinha, que mirava através da janela embaciada pela sua respiração, apenas guardava com carinho a imagem, para jamais esquecer que, embora distante, parte dele sempre ficava.

Doze anos! Ela mal podia crer que já se passara tanto tempo desde que o tivera nos braços pela primeira vez.

Lembrou-se daquela carinha “enrugada” de olhos curiosos que já vieram ao mundo bem abertos!

Um grande homem com espírito de criança, assim é o seu filho, ora com a maturidade de um menino de seis, ora com a sapiência de um ancião.

Conversaram muito na noite anterior, como sempre o fazem na véspera da viagem de volta a casa que não partilhavam.

Falaram sobre a formação da personalidade, sobre evolução do corpo e do espírito. Dialogaram de igual para igual, como se tivessem vindo ao mundo ao mesmo tempo, com um entrosamento e uma compreensão do outro invulgar entre pessoas com tamanha diferença de idade.

Enxugaram as lágrimas que rolavam pela face um do outro, quando o assunto realmente tocava o coração e ela lhe acariciava os longos cabelos que desciam aos caracóis pela espalda e depositava nas suas pequenas mãos a promessa de ajudar a curar todas as feridas que plantara em seu caminho durante a infância.

Ele sabia que podia confiar, conhecia sua mãe como ninguém, muito embora eventualmente se deixasse levar pelo rancor que sentia, pelo sentimento de abandono que era apenas isso: um sentimento, pois jamais fora abandonado.

Como poderia ela abandonar a própria alma?! Se a cada nascer do sol a primeira badalada em seu peito era na intenção dele, que transformara a sua vida numa aventura com direito a montanhas-russas e carrosséis.

Mas o mundo não quer saber de intenções ou desculpas pois as atitudes marcam o tempo que nos é ofertado, isso eles entendiam mais do que ninguém.

A paisagem ficara estática anunciando o momento do adeus, abraçaram-se sem lágrimas, dessa vez, pois havia um pacto de cura que se sabia jamais ser quebrado.

Sabiam os dois, cada um a sua maneira, que os filhos não vêm com manual de instruções e, curiosamente, a Vida, como um todo, também não.

O importante é não ter medo de mergulhar no passado para construir, no presente, um futuro melhor!

Maria Beck Pombo

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