Voz da Póvoa
 
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Turistando Lendas e Lugares – Roupa suja

Turistando Lendas e Lugares – Roupa suja

Opinião | 23 Junho 2021

À pressa ela adentrou o recinto claro e abafado da lavanderia self-service em que era costume lavar suas roupas mais pesadas.

Sacudiu a água da chuva que lhe molhava os ombros e os cabelos, cumprimentou os demais clientes e se pôs à espera de que a máquina desejada fosse desocupada.

Sentia o aroma à limpeza (não necessariamente agradável) lhe invadir e queimar as narinas, um misto de desinfetante barato e soda cáustica. Passou pela sua mente uma leve pontada de preocupação com a integridade dos seus cobertores.

Seus pensamentos foram perturbados quando um senhor entrou, tão apressado quanto ela minutos antes, e se plantou à sua frente, com uma infinidade de sacolas que traziam lençóis brancos e fronhas.

Ela já o conhecia de outros encontros: o senhor de setenta e muitos anos, dono de um hotel, que conversava com ela sempre muito simpaticamente.

Ela cumprimentou-o, com o seu sorriso mais genuíno, e, para evitar qualquer transtorno, o advertiu que estava à espera daquela máquina em questão.

O senhor, então, inchou-se todo e com a face muito vermelha, como se ela tivesse-lhe posto fogo aos lençóis, exclamou, num tom extremamente rude:

- Qual o quê? E a senhora, por acaso, tirou a senha?!

Sentiu-se atordoada com a estupidez da indagação. Em uma fração de segundos se viu a perguntar mentalmente a si própria, vezes sem conta, onde raios é que a senha se enquadrava naquela situação.

Naquele momento já era possível cortar o ar à faca, e os olhares dos terceiros sobre os dois se aguçavam, curiosíssimos pelo desfecho da novela.

Respirou profundamente e, movida pelo impulso, chamou o senhor à razão:

- E é preciso tirar senha?! O senhor não deu de cara comigo no momento em que entrou pela porta? Não está claro para si que eu cheguei primeiro?

E dirigiu-se até o dispensador das senhas retirando uma, ainda incrédula e com o estômago a ferver.

- Está melhor assim, meu senhor? Já tenho a minha senha, faça o senhor o favor de ir buscar a que lhe toca antes que alguém com disposição semelhante à sua entre nesse recinto. Com a sua idade já era hora de aprender a ter algum decoro. A boa educação não se resume ao “por favor” e “muito obrigado”, há que se ter respeito, integridade e superar a tentação de torcer, de modo a servir para benefício próprio, as regras concebidas para o bom funcionamento do todo.
O senhor devia ter vergonha da sua atitude!

Seu interlocutor deixou as sacolas em um canto e rumou para fora da lavandaria, rápido como um raio, desaparecendo por uma boa meia hora, deixando-a só com os outros clientes e de consciência limpa por não ter se deixado intimidar.

Percebemos que o mundo está do avesso quando a roupa suja não se lava em casa!

Maria Beck Pombo

 

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