À pressa ela adentrou o recinto claro e abafado da lavanderia self-service em que era costume lavar suas roupas mais pesadas.
Sacudiu a água da chuva que lhe molhava os ombros e os cabelos, cumprimentou os demais clientes e se pôs à espera de que a máquina desejada fosse desocupada.
Sentia o aroma à limpeza (não necessariamente agradável) lhe invadir e queimar as narinas, um misto de desinfetante barato e soda cáustica. Passou pela sua mente uma leve pontada de preocupação com a integridade dos seus cobertores.
Seus pensamentos foram perturbados quando um senhor entrou, tão apressado quanto ela minutos antes, e se plantou à sua frente, com uma infinidade de sacolas que traziam lençóis brancos e fronhas.
Ela já o conhecia de outros encontros: o senhor de setenta e muitos anos, dono de um hotel, que conversava com ela sempre muito simpaticamente.
Ela cumprimentou-o, com o seu sorriso mais genuíno, e, para evitar qualquer transtorno, o advertiu que estava à espera daquela máquina em questão.
O senhor, então, inchou-se todo e com a face muito vermelha, como se ela tivesse-lhe posto fogo aos lençóis, exclamou, num tom extremamente rude:
- Qual o quê? E a senhora, por acaso, tirou a senha?!
Sentiu-se atordoada com a estupidez da indagação. Em uma fração de segundos se viu a perguntar mentalmente a si própria, vezes sem conta, onde raios é que a senha se enquadrava naquela situação.
Naquele momento já era possível cortar o ar à faca, e os olhares dos terceiros sobre os dois se aguçavam, curiosíssimos pelo desfecho da novela.
Respirou profundamente e, movida pelo impulso, chamou o senhor à razão:
- E é preciso tirar senha?! O senhor não deu de cara comigo no momento em que entrou pela porta? Não está claro para si que eu cheguei primeiro?
E dirigiu-se até o dispensador das senhas retirando uma, ainda incrédula e com o estômago a ferver.
- Está melhor assim, meu senhor? Já tenho a minha senha, faça o senhor o favor de ir buscar a que lhe toca antes que alguém com disposição semelhante à sua entre nesse recinto. Com a sua idade já era hora de aprender a ter algum decoro. A boa educação não se resume ao “por favor” e “muito obrigado”, há que se ter respeito, integridade e superar a tentação de torcer, de modo a servir para benefício próprio, as regras concebidas para o bom funcionamento do todo.
O senhor devia ter vergonha da sua atitude!
Seu interlocutor deixou as sacolas em um canto e rumou para fora da lavandaria, rápido como um raio, desaparecendo por uma boa meia hora, deixando-a só com os outros clientes e de consciência limpa por não ter se deixado intimidar.
Percebemos que o mundo está do avesso quando a roupa suja não se lava em casa!
Maria Beck Pombo