Na pequena e ruidosa sala de aula onde se encontrava, tentava à duras penas, encontrar no baú da memória uma história digna de ser contada.
Vasculhava cada canto dele com muita atenção, pois, por vezes, os diamantes mais preciosos escondem-se entre as frinchas e acabam esquecidos sob as camadas dos trapos obsoletos que insistimos em guardar.
Uma limpeza! Pensou ela.
Decidira, já há longa data livrar-se daquilo que apenas pesava em sua alma.
Mas até mesmo o que hoje é entulho, um dia foi tesouro, e merece respeito e alguma reverência.
Deixou-se da história por momentos e decidiu remover, cuidadosamente, os pesares, um a um, de modo a estar certa de recolher deles as pequenas pérolas de ensinamento que outrora trouxeram consigo.
Desfez as rotas embalagens, soltou as amarras que tornavam cativas as lições, recolheu os cacos das lanternas partidas, que já não poderiam iluminar o fim do seu túnel ou o esplendor do seu palco, retirou as flores mortas que lhe desbotavam as recordações, deixou de lado a velha viola cuja falta de afinação lhe magoava os tímpanos.
Rasgou as cartas escritas por quem transformou-se em desafeto e embainhou as adagas dantes cravadas em seu peito, soprou para longe os brindes que encerravam traições veladas.
Estendeu todos esses destroços sobre um corte de veludo cor-de-violeta, para dessa forma, atestar e honrar sua transmutação, e embrulhou-os com uma prece, a agradecer aos deuses por terem feito parte da sua preenchida vida.
Enterrou-os na areia, muito próximo do mar e esperou em silêncio, a contemplar a imensidão, que Yemanjá os viesse buscar para dissolver no mar a tristeza, que o pranto também é sal.
Voltou-se para o baú, que já tinha espaço suficiente para abrigar novas memórias, vislumbrou os confetes, as serpentinas, os retratos de sorrisos largos desenhados e percebeu que não há beleza sem uma boa dose de tristeza.
Encontrou, por fim, não a história que buscava, mas a raiz de todas as histórias que possuía e que eram compostas por alegrias e desassossegos.
Afinal, o drama também encanta e a uns tantos seduz!
Maria Beck Pombo
