Voz da Póvoa
 
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Turistando Lendas e Lugares – Quem é bom já nasce feito!

Turistando Lendas e Lugares – Quem é bom já nasce feito!

Opinião | 14 Junho 2022

 

“E um dia quando souberes,

que este gaúcho morreu,

nalgum livro serás eu

e nesse novo viver

eu somente quero ser

a mais apagada imagem

deste Rio Grande selvagem

que até morto hei de querer!”

(Jayme Caetano Braun)

 

Ah, bons tempos me levem aos meus tempos de guria em que, curiosa e animada, eu vasculhava o baú dos brinquedos da casa do meu tio-avô Oswaldo e da tia-avó Maria Luísa de quem, honradamente, herdei o nome e fiz questão de passar adiante.

Procurava nele os pequenos tesouros que cruzaram, ilesos, o decorrer das décadas e despertavam em mim a ânsia de saber em pormenor a história de cada um deles.

Poucas lembranças eu tenho da convivência com a família da minha avó paterna mas entre as que permaneceram vivas na minha memória estão os momentos que passei na companhia do “tio” Oswaldo.

Tive a satisfação de estar com ele há menos de um ano atrás, quando visitei pela última vez o meu pago natal.

Diante de mim estava o homem, a poucos dias de completar noventa anos, com uma lucidez de causar inveja a qualquer jovem mortal, a indagar sobre como corria a minha vida cá em Portugal, com um interesse genuíno em cada palavra minha que fazia com que eu mesma desse mais valor a minha própria história.

É que o tio Oswaldo tinha esse dom, de olhar no fundo dos nossos olhos e enxergar nosso espírito. Escutava seu interlocutor como quem escutasse uma música e fazia o mais simples dos andejos se sentir muito importante.

Tinha uns olhos cinzentos como um dia de chuva e um sorriso franco e claro, capaz de enxotar qualquer nuvem que se assomasse sobre nós.

Confesso que tive a esperança que esse taura ficasse para semente, pois o mundo precisa, urgentemente, de mais homens como ele.

Detentor de um caráter de retidão inquestionável e de uma gentileza fortuita que cativou Ximangos e Maragatos do interior à capital.

Sempre disposto a partilhar o Chimarrão e o doce de leite com mandioca, que nunca fora mais doce que um abraço seu.

Por certo não há quem duvide que ele era o gaúcho mais cavalheiro que o meu Rio Grande já viu. Quiçá até que o mundo todo, ouso dizer.

Cavalheirismo esse que não se furtou de imprimir nos filhos durante suas andanças nesta terra, para a sorte daqueles que partilham com eles seus laços.

Por anos a fio levara, diariamente, uma flor à campa da “tia”, atestando ao mundo que o verdadeiro amor é eterno “ainda que a morte os separe”.

Escolheu um bom dia para partir para as Invernadas do Além, o meu precioso tio Oswaldo:

12 de junho, Dia dos Namorados, no Brasil.

Cavalgou no lombo da Morte de encontro a sua amada que há tanto tempo espera nas bandas de lá.

E eu fiquei por aqui a pedir a todos os deuses que me ajudem a crer que existe um Paraíso, pois nenhum outro lugar poderia ser tão merecedor da presença desse índio, guapo barbaridade, que encantou gerações e serviu de exemplo a muito peão e patrão residentes nos Pampas.

E quando, traiçoeira, uma lágrima de pesar teima em rolar pela minha face eu lembro que os exemplos são eternos e, por assim serem, meu tio Oswaldo não morreu. Apenas partiu para ser estrela a iluminar o caminho de outras almas, no céu!

 

Maria Beck Pombo

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