Así te fuiste, Inspiración, a se esconder entre as frinchas do pensamento, abandonando por completo a prenda de mestiça origem, de coração partido em dois.
Cavalgaste para longe a levar sobre o lombo sus recuerdos, as memórias que ela construiu ao transitar entre dois pagos apartados pelo Atlântico.
No espírito onde se misturam o Rio Uruguai e o Douro, a charque e o bacalhau, o Chimarrão e o vinho, e tantas outras coisas dignas de se contar habita, no momento, a Soledad que lhe rouba as palavras e deixa apenas a folha em branco, alva como nunca, a desesperar que a pena lhe macule com uma alegria ou um pesar.
Porque as alegrias e os pesares carregam na essência a fonte de todas as palavras.
Galopava entre a infância, a adolescência e a vida adulta, mas a mente, já cansada, anestesiada pela exigência de ser, constantemente, a Força e o pilar a sustentar o seu próprio mundo somado ao destino de todos aqueles que fazem parte dele, não conseguia magicar conto algum.
Apenas viajava entre os passeios sem conseguir contemplar a paisagem ou ouvir os sons que a circundavam, incapaz de sentir, como se o mundo exterior tivesse deixado de existir.
Estava dormente, tal qual quem acorda de uma extensa cirurgia, que lhe fez mais bem do que mal mas levou, juntamente com a enfermidade, os seus sentidos.
Sentou-se em um banco da arquibancada da mente e se obrigou a espreitar, através dos olhos da alma, a vida cotidiana.
Dessa forma, como alguém que consegue perceber o outro somente depois de comer do mesmo pão, constatou tantos olhares vazios a vaguear em modo automático que sentiu uma ferroada aguda e persistente, como a dor de uma farpa enterrada no dedo durante uma brincadeira na casa da árvore.
Sentiu um alívio descomedido por perceber estar viva que não reclamou a ofensa, antes dançou entre os transeuntes, sem se importar com os olhares de reprovação. Sabia que, veladamente, sentiam o mesmo desejo, mas negavam a si próprios tal liberdade por receio do julgamento alheio.
Ser livre exige coragem e um certo desprendimento das coisas dos homens que não brinda qualquer um…
Rodopiou em via pública, embalada pela sinfonia estridente e descompassada das buzinas e dos motores, a sentir o vento lhe beijar a face, o cheiro da primavera a florir e o açoite gelado da chuva que caía, pesada, sobre ela, enquanto agradecia a Inspiração que ao tranquito retornava, colorindo as copas das árvores e descongelando seu coração.
Compreendeu, por fim, que a Inspiração em momento algum a abandonara ainda que se fizesse, momentaneamente, ausência.
Abençoados sejam aqueles que, com mãos de veludo, permitem que o Vazio dê à luz a um Universo!
Maria Beck Pombo