Definitivamente, ela não podia negar que era uma mulher de fé.
Habitava dentro dela uma fé, redomona como apenas ela sabia, que não tinha lugar em templo algum.
As Religiões… correu-as todas! Porém, nenhum dos livros sagrados que abrira fora capaz de lhe dar as respostas que buscava, antes a encheram de mais e mais questionamentos.
Coabitavam, todos eles, na mais perfeita harmonia, dispostos uns sobre os outros na sua estante da sala.
Eram uma declaração aberta, a todos os que adentrassem aquele recinto, que naquela casa eram muito bem-vindos, desde que trouxessem consigo respeito e amor a si, ao próximo e ao Universo.
Durante a sua odisseia, provou da culpa de trair um Deus e da liberdade de adorar Outros tantos.
Benzeu-se diante da cruz, crucificando a vontade de gritar a toda a gente que benta é a água que limpa e dá de beber, é a terra que acolhe o pai e alimenta o filho, bento é o ar que traz a vida e a inspiração, é o fogo que consome e aquece e, por vezes, a mão do próprio Homem quando semeia o trigo e divide o pão.
Lamentou cada alma perdida na guerra das Instituições, cada “infiel” sepultado, cada “bruxa” cremada, impiedosamente, diante de uma multidão de beatos cheios de pecados capitais.
Lamentou a dor de todos aqueles que, arrancados de seus lares, da sua terra, da sua gente, viu substituída por outra a sua crença e foi obrigado a esconder a sua alma e trair seu coração.
Não há nada mais verdadeiro e essencial que a prece de um Homem e negar-lhe esse direito é condenar seu espírito a ser atormentado pela eternidade dos seus dias.
Enquanto navegava nesses devaneios, foi atraída por uma melodia suave onde quatro vozes, quatro instrumentos e uma coleção de Divindades de fazer inveja a qualquer mortal, celebravam a Espiritualidade como um Todo, a Religiosidade que reside no âmago de todas as religiões, sem eleitos ou preconceitos.
Quatro vozes, audaciosas como os quatro elementos, que selavam, em uníssono, um acordo de paz.
A boa-fé não se impõe, se partilha!
Maria Beck Pombo