Num fim de verão como outros e, entretanto, distinto de tantos, jaz a pequena cidade encoberta pelo fumo e os corações dos homens pelo luto.
Portugal em chamas chama por socorro enquanto se calcula a distância compreendida entre uma beata acesa e a vida de um bombeiro.
Surpreendentemente é uma distância curta demais!
O povo chora calado a calamidade que se alastra em nome da ignorância de uns e da astúcia de outros, que há sempre quem ganhe com o fado do desgraçado!
Às raposas os despojos parecem sempre miseráveis, mas para aquele que perdeu tudo, às vezes, o pouco é muito.
Seria essa a última vez que veria a adorada adotada querência a arder?
Perguntava-se a si mesma enquanto tratava de garantir que o fumo não entrava pelas frinchas das janelas, evitando o despoletar de outra crise alérgica na filha.
Não sabia…
Não sabia por quanto tempo colheria os frutos podres que a mão desgovernada do homem, em nome do seu arbitrário livre-arbítrio, semeava irresponsavelmente.
Sabia apenas que essa mesma mão era responsável por ceifar a vida que tinha direito de vingar ao redor dela…
Engoliu em seco a revolta que lhe desceu a queimar as entranhas. Ela nunca fora pessoa de passar paninhos quentes ou acobertar situações. Era mais do tipo que expunha o pecador em praça pública e exigia que se atirasse a primeira pedra, pouco importando se ela também tinha o telhado de vidro.
Cada qual com a sua cruz e sábio é aquele que a construiu de forma a poder carregar!
Entristeceu por saber que, passados poucos dias, o fogo que consumiu paisagens, vidas e sonhos seria o mesmo que aqueceria a pizza sobre a mesa de meia dúzia de covardes, uma vez mais.
Dizem as boas línguas que com o mal dos outros ninguém se governa. É certo que vivemos em um país de surdos!
Maria Beck Pombo
