Voz da Póvoa
 
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Turistando Lendas e Lugares – Os desajustados somos nós!

Turistando Lendas e Lugares – Os desajustados somos nós!

Opinião | 10 Maio 2022

Ele mantinha os olhos fixos no avião de brinquedo que tinha entre as mãos. Analisava todas as suas partes minuciosamente, tentando-lhe arranjar uma utilidade.

De um momento para o outro pôs o objeto na vertical sobre a mesa, equilibrando-o de forma a parecer um robô pronto a caminhar sobre uma planície.

Os adultos à sua volta, muito presos às convenções, tentavam explicar àquela criança que o objeto era feito para voar, não para andar, sem perceber a genialidade que se escondia por detrás do gesto que revelava, não uma incompreensão do fim a que aquilo se “destinava” e sim a expansão das possibilidades, da criatividade que galopava veloz nos prados da sua mente.

Estava aquém da capacidade dos homens e mulheres presentes naquela sala compreender a inteligência indomável pelo cabresto que torna os humanos pessoas crescidas, cheias de amarras e amarguras, a viver num mundo de aparências, mentiras, conveniências e cerimónias.

Aquele pequeno ser era incapaz de entender o sarcasmo, não o humor, pois há graça e riso nas coisas belas da vida e não na tragédia alheia.

Cantava e dançava quando bem lhe apetecia e não quando convinha ao ambiente que o cercava, e não trocava o conforto das suas pantufas e pijamas em prol da aprovação alheia, simplesmente não via o propósito de ter de se enfiar em calças de ganga e sapatos desconfortáveis para se mostrar aos outros e estava certo de que não era preciso explicar o porque a ninguém. Não parecia óbvio?!

“Muito esquisitas essas pessoas crescidas” - deve pensar para si mesmo enquanto brinca no seu mundo cor de arco-íris.

Fora tachado de estranho, desajustado, autista…

Porque não havia meios de compreendermos que somos obrigados, desde tenra idade, a matar a nossa criança interior, abdicando da inocência, da honestidade e da pureza, impelidos a conviver com pessoas que não partilham da mesma energia e essência, formatados a suportar a dor de não sermos nós mesmos, fechados entre grades por uma sociedade que vê a vida e o futuro a preto e branco, esquecendo-se dos sonhos pintados a guaches multicoloridas, pouco importando a tinta que escorregou livre do pincel, esborratando a alvura do papel.

Sem conseguir interpretar que aquelas manchas também fazem parte da história contada por aquele quadro.

As pessoas crescidas julgam que tem muito a ensinar, que devem encontrar cura para aquilo que não é doença, antes evolução, pois esses seres extraordinários vêm ao mundo para mostrar-nos, que andamos às voltas no caminho errado, a nos autodestruir e arrasar com as belezas e a fartura do Universo, insistentemente a criar regras estúpidas que mais servem para castrar do que para libertar a divindade que reside dentro de cada um.

Obrigando-nos a enxergar para além das possibilidades, abrindo espaço para que reconheçamos o essencial e que as palavras, por muito bem colocadas, não podem falar mais que um olhar.

Autistas, dizem eles… eu digo: seres iluminados que alcançaram esse mundo para ensinar o que é ser genuíno, transparente, verdadeiro. Para ensinar o real significado do amor a si e ao próximo, mas que, principalmente, não se pode amar aos próximos todos. Há que ter conexão, e tudo assim está bem.

O grande problema da humanidade é querer se conectar a toda a gente, caibam ou não no seu universo, partilhem ou não da mesma energia. E acabamos fartos, cheios de tudo aquilo que não nos interessa, esquecendo que na maioria das vezes menos é mais.

Tentamos enquadrar essas criaturinhas divinas na nossa esfera de pensamento, ignorando por completo que o nosso mundo é pequeno demais para o deles!

Nada pode ser maior que o amor de uma criança que não foi corrompido pelo passar das estações!

 

Maria Beck Pombo

 

 

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