Voz da Póvoa
 
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Turistando Lendas e Lugares – Os cegos do castelo

Turistando Lendas e Lugares – Os cegos do castelo

Opinião | 2 Novembro 2023

 

Sentada na confortável cadeira para acompanhantes, no espaçoso e impessoal consultório médico, observava, com a atenção de uma águia a perseguir a presa, o especialista a examinar os olhos da esperançosa amiga, cujo otimismo jamais testemunhara fraquejar.

Admirava com carinho a mulher que se apresentava à sua frente, com seus longos e ondulados cabelos castanhos a emoldurar o belo rosto e descer até o meio da espalda, as verdes íris destacadas pela tez dourada, como que recentemente beijada pelo sol de verão, o corpo envolvido por um vestido fluído que lhe dava um ar quase feérico e a voz meiga que questionava pacientemente a besta que ignorava por completo as suas perguntas, e dava quase por encerrada aquela consulta, como se considerasse um verdadeiro insulto a busca dela pela sua ajuda àquela altura da situação.

Ouvia, com o coração em pedaços, a sentença do médico que grasnava qual o corvo de Alan Poe: nunca mais!

Não sabia dizer que sentimento a dominava: se a tristeza pela amiga cuja visão se perdera parcialmente de maneira irreversível ou a revolta com a falta de empatia humana, que desconhece o poder titânico das palavras, que podem construir ou destruir mundos, abençoar ou amaldiçoar universos pessoais.

Certamente o ilustríssimo doutor, cuja fama de ser demasiado direto é tão grande quanto às suas excelentes qualificações, não estudou comunicação na universidade onde andara!

Ela se indagava em silêncio, enquanto oferecia o braço à amiga que saía absolutamente arrasada da sala onde se encontravam: se os aspirantes a trabalhar em uma área tão sensível como os cuidados de saúde têm acesso a uma disciplina que os ensine a comunicar assertivamente, muito embora saibamos que Empatia não se ensina, é uma virtude inata, mas sempre é possível sensibilizar o ser humano para os sentimentos do outro…

Sentaram à mesa de um pequeno café, próximo à clínica em que se encontravam anteriormente, e empeçaram uma conversa que começou pela situação em si e rapidamente escalou para as vertentes da evolução humana em todos os seus aspetos, do físico ao espiritual, criaram teorias que poderiam parecer insanas para a maior parte da humanidade, trocaram ideias que as enriqueceram ainda mais enquanto seres humanos, pois assim sempre foram todos os seus encontros: uma abertura de horizontes, um revelar de novas perspetivas, mesmo naquele dia onde a escuridão se abatera sobre aquele ser dotado da capacidade admirável de iluminar o caminho de quem cruza o seu destino.

Divagaram sobre o véu que cobre o olhar das gentes do planeta inteiro e chegaram à conclusão de que cegos são aqueles que veem apenas o pão sobre a mesa e não pensam na terra que faz germinar o trigo, nas mãos que o semeia, colhe e transforma.

Cegos são aqueles que vomitam vespas aos ouvidos alheios, quando poderiam adoçar com mel dolorosas notícias, padece de uma cegueira funcional quem é incapaz de olhar o outro com consideração, respeito e carinho.

Entenderam que a Consciência é uma visão que não se turva, ainda que a retina falhe, e que sempre há-de enxergar aquele que conhece o seu próprio caminho.

Mesmo que o sol se ponha eternamente, a Intuição não fecha os olhos!

Maria Beck Pombo

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