A cada mudança de nota ela mudava de cor.
Sentia o seu corpo inteiro a vibrar, cada nó de tensão desfazer-se e a energia percorrer o caminho dos seus pés até a sua cabeça renovando suas células e esperanças.
Era a primeira vez em muito tempo que se encontrava em meio a multidão e ao mesmo tempo só consigo mesma, que se sentia verdadeiramente liberta, que se preenchia da liberdade de ser, sem parecer, sem o pesar das expectativas alheias sobre os seus ombros.
Escutava as vozes que ecoavam no pequeno e escuro espaço onde se encontrava, sentia o cheiro da história guardada entre as paredes antigas, que abrigavam o novo e o velho, revelando o perfume único do Bairro Alto preencher as suas narinas, e balançava ao ritmo da música se despindo das preocupações.
Dançou assim, de mãos dadas com o Tempo, até se fazer tempo de repousar e quando repousou teve, enfim, paz. Aquela paz que sente a criança quando se banha em água de sanga depois de brincar incessantemente na lama que nunca fora sujeira, antes maquiagem e dorme, exausta da brincadeira, embalada entre a fantasia e a realidade.
Acordou em silêncio, de pele nova e alma limpa, leve como o vento, livre como um pássaro.
Poucos sabem, como ela, a transmutação profunda que oferece uma dança!
Maria Beck Pombo, cronista e poeta...