Quando me aventurei, ainda muito guria, no universo das palavras nunca pensei que um dia faria delas ofício.
De um momento para o outro me vi perdida em meio a olhares sedentos pelo próximo capítulo e a dúvida invadiu meu peito: como posso eu agradar a alma alheia? E agora, como posso superar as suas expectativas?
E enquanto penso no que esperam de mim, perco-me de mim mesma.
Deixo de escutar a voz do vento que uiva através da minha janela a convidar-me para dançar e mergulhar no sonho.
Despertar para um mundo que a mim unicamente pertence, edificado sobre o que sou concretamente: a minha Realidade.
Onde abraço a verdadeira felicidade, que independe de qualquer coisa ou ser.
Sem gatunos à espreita para roubar minhas palavras e corrompê-las para o proveito de quem as lê.
Elas são minhas companheiras, minha cruz e água benta para o exorcismo dos demónios do cotidiano.
Nesse mundo fantástico e palpável eu alimento a minha alma de poeta e assassino a poesia, pois pari-la é cabrestear as palavras, ordená-las, marcá-las, castrá-las…
A verdadeira poesia não está em empilhar as palavras de modo a atingir o belo, está em sentir. E homem nenhum até hoje conseguiu inventar maneira de pôr freio aos sentimentos.
Então eu sinto, simplesmente.
Sento-me ao pé de uma figueira, tão antiga quanto o próprio universo, e contemplo os prados e as fontes. Converso com os pássaros, alimento os animais e choro.
Amargo a dor de todas as derrotas e limpo meu coração do ódio, da raiva, da angústia.
Mergulho nesse rio de pranto e assim, submersa em mim, aguardo a transmutação que vem sempre com o Tempo, que enxuga os meus olhos e me mostra que já é hora de voltar meu olhar para fora e abraçar a vida.
Livre, plena, abençoada e dona de mim, trazendo meu mundo montado em pêlo, desencilhado do jugo da vontade alheia.
Nesse momento as convoco e as convenço a traduzir meus sentimentos para entregá-los a outros olhos, que nem sempre saberão decifrá-las.
Temos um contrato que se renova diariamente, onde me sirvo delas e delas sou instrumento para revelar a alma humana escondida nas entrelinhas.
Para atiçar o riso, acordar as lágrimas e descongelar corações!
Maria Beck Pombo