Ela arrumou a casa como nunca antes. Fechou os estores e guardou tudo em caixas. Tudo o que restava da taberna em que tanto investira desaparecia lentamente como um sonho que foi desvanecendo-se aos poucos. Por um momento, sentiu-se triste por não conseguir levar consigo as memórias do espaço, mas logo se lembrou do que realmente importava em sua vida: o seu filho e a sua sanidade mental.
Saiu de casa, comprou uma mochila e botas de caminhada e decidiu fazer o Caminho de Santiago a partir do Porto.
Duzentos e cinquenta quilómetros a sós consigo mesma deveriam ser capazes de fazer com que ela pusesse a cabeça no lugar.
Iniciou essa jornada sem muitos preparativos, levando apenas o necessário: uma muda roupa quente e uma extra para a caminhada, uma toalha, roupa interior, uma pequena lanterna para o caso de alguma necessidade, chinelos, um telemóvel antigo capaz de registar algumas fotografias, porém sem plano de internet, e a vontade de chegar, ilesa, ao seu destino.
Nem mapa, nem bússola, nem GPS, levava a prenda que decidira seguir as setas amarelas que indicavam o trajeto, sob pena de ter-se perdido uma dezena de vezes.
Os dias seguintes foram passando em caminhadas, observações, conversas com peregrinos de todo o mundo e noites de sono em beliches de albergues, que ela garantiu serem mais confortáveis do que o que imaginava.
Fez novas amizades, que a acompanham até hoje, e conheceu muitas histórias de vida. Descobriu que estava feliz consigo própria e com sua decisão de abandonar a vida que levava, sentia uma sensação de paz interior que há muito tinha-se dissipado e, muito embora tivesse sido uma decisão difícil abandonar o seu sonho de ser uma grande taberneira medieval e levar as pessoas a visitarem outras eras, percebeu que, juntamente com a coragem de fechar uma porta que desejava aberta, vem a força necessária para abrir portais!
Acreditai na vossa força!
Maria Beck Pombo
