Voz da Póvoa
 
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Turistando Lendas e Lugares – O despertar da Inocência

Turistando Lendas e Lugares – O despertar da Inocência

Opinião | 17 Maio 2022

Veio ao mundo como quem navega em águas revoltas, amada mas indesejada, por uma brincadeira dos deuses.

Carregava consigo a sombra da Morte, que puxava o seu tapete vezes sem conta, até que ela aprendesse a superar.

Correu prados e coxilhas, nadou em água de sanga, bebeu dos olhos d'água que brotavam da terra sã e fértil dos Pampas.

Era ela tão pura quanto essas mesmas águas e carregava no peito a missão de ajudar o próximo, de espalhar o amor e a alegria por onde quer que passasse.

Mas o próximo, muitas vezes, não vê a pureza nos bastardos.

Lutou com unhas e dentes para se fazer desejada no seio daqueles que a consideravam uma intrusa, até que a vontade esmoreceu e a revolta tomou conta do seu imaculado coração, tingindo-o de negro paulatinamente.

Vestiu a Máscara e passou a representar, para o mundo inteiro ao seu redor, um papel distinto em cada “tribo”, na busca incessante de ser aceite.

Açoitou a sua Essência repetidamente, traindo seus princípios, vendendo seu sorriso por pouca ou nenhuma plata, cobrindo-se, pouco a pouco, com a pele daqueles que a cercavam.

Viveu assim por três infindáveis décadas, a colecionar enganos e vergonhas.

A costurar com a linha da Soberba a fantasia que vestia, com os retalhos da Cólera, da Culpa, da Descrença, da Loucura, do Rancor, da Tristeza…

Afiava suas adagas todas as noites, para poder desferir golpes mortais quando estivesse dentre as outras pessoas, antes que elas lhe dilacerassem o coração.

E cada vez que a Criança dentro dela conseguia tomar as rédeas do seu destino e acreditar na pureza da humanidade, recebia mais uma ferida que a obrigava a retornar para o claustro que construiu para si mesma, mas não sem antes trazer para o seu mundo aqueles que partilhavam da mesma Essência, muito embora também eles tivessem suas próprias máscaras.

Atravessou rios e oceanos a cobrir, tal como Loki, a terra de Ilusões, magoando quem cruzasse o seu caminho da mesma forma que fora magoada outrora, ainda que eles não partilhassem da autoria desse crime.

Até que um dia o Cansaço roubou suas palavras e partiu suas pernas, a impedir que ela fosse mais além.

Fora obrigada a sentar-se à beira do Caminho que trilhava aos tropeços e observar o que semeara até ali.

A Máscara, envelhecida pelo Tempo que a perseguia voraz, se despedaçava devagar, revelando lentamente a Alma que resplandecia dentro dela.

Foi se deixando iluminar e olhou para trás, sem temer o Sofrimento, assumindo os Desatinos, a responsabilidade sobre os atos que plantaram a dor em tantos Inocentes e, enquanto realizava tal ação, desfazia no seu íntimo o sentimento de culpa que a inundava pois percebeu que ele era um peso morto que ela não estava destinada a carregar.

Há que, antes, recolher dele as lições e libertá-lo antes que ele nos maneie as patas.

Começou a desfazer os nós, a alforriar a necessidade de controle, pois o que vem do outro não se pode controlar.

Abdicou do Sarcasmo, do Orgulho, dos punhais. Despindo-se aos poucos da ideia da Torre Ereta e Inabalável que mostrava ao ser humano, refletindo o seu sensível interior, embora tenha aprendido com a sua fiel escudeira de décadas a selecionar quem trazia por companhia.

Acordou a sua divindade, que dormia num leito repleto de pesadelos, e preparou-se para voltar a sonhar.

Dizem que apenas os deuses perdoam, portanto ela perdoara e despiu a mortalha que trazia sobre os ombros.

Dessa forma, nua como viera ao mundo pela vez primeira, renascia divina e resolvida a levar a cabo a tarefa que lhe fora atribuída ainda antes de habitar o ventre da sua mãe: agitar a bandeira do Amor e embalar Esperanças!

Apenas fica preso à Fantasia quem deixa a dor suplantar o amor!

 

Maria Beck Pombo

 

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