Voz da Póvoa
 
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Turistando Lendas e Lugares – Noite de São João

Turistando Lendas e Lugares – Noite de São João

Opinião | 6 Julho 2021

Nos lados de cá é noite de São João, e nos de lá também!

Ah, boas memórias me levem até às noites de São João da minha infância!

À fogueira que iluminava a noite da véspera do nascimento do Santo e que também iluminava os sonhos da piazada que dançava à sua volta.

O Inverno no meu pago natal se tornava mais ameno nesse dia e espantávamos o pouco frio que restava com quentão e alegria.

Até os mais novos tinham direito ao seu copito de vinho fervido com canela, cravo-da-índia e otras cositas más, geralmente segredo absoluto da cozinheira.

Saia rodada para as gurias, camisa xadrez para os guris, e não podíamos esquecer das tranças e dos chapéus de palha! Um dente pintado de preto também era imprescindível na caracterização de todo o “caipira” que se prezasse.

A rua era toda enfeitada com bandeirolas coloridas, umas feitas com papel de embrulho, outras com as folhas de revistas. Aprendíamos desde aí a importância da reciclagem, onde o velho virava tesouro a resplandecer e alegrar a noite.

Rifas, pescarias, leilões… não havia festa junina sem prendas, que eram, geralmente, peças em desuso doadas pelos vizinhos. Lembro perfeitamente de ter ganho um litro de uísque na minha primeira rifa, aos oito anos de idade.

É claro que eu preferia ter ganho um pacote de gomas qualquer, mas ao ver o brilho no olhar do meu pai acabei por me dar por muito satisfeita.

Posso sentir até hoje o aroma das pipocas no ar, o sabor salgado dos pinhões, o doce do pé-de-moleque com toda a crocância do amendoim coberto por doce de leite.

Mas a parte que eu mais gostava não era a bebida, a comida ou as prendas. Era o casamento!

Sim, porque festa junina nenhuma podia deixar de ter um casamento encenado, onde uma noiva, geralmente grávida, casar-se-ia com um noivo, não muito contente, na presença de um sogro menos contente ainda.

Eu, romântica de carteirinha, pouco queria saber se o casório era real ou fictício. O que me interessava de facto era o buquê. Tinha eu a certeza absoluta que quanto mais deles eu colecionasse, mais cedo encontraria o meu príncipe encantado.

Nem desconfiava, na altura, que muitos espinhos eu teria de pisar para encontrá-lo, para além de trocar meu mundo de ponta.

Nas bandas de cá faz-se noite de São João, e nas de lá também.

Hoje sem quentão e sem fogueira, mas aquecida pela certeza do lugar que escolhi fincar raízes.

A erguer bandeiras coloridas que são retalhos dessa história que vou escrevendo ao viajar por entre um mundo e outro.

A lançar balões para iluminar as noites de tantos paisanos como eu, que andejam, solitários, por terras ermas, por vezes hostis.

A relembrar que a vida é mais doce quando se estende a mão, divide-se o pão, o quentão e o perdão.

 

Maria Beck Pombo

 

 

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