Ela mirava, desconsolada, a mancha deixada, na parede branca, pela água da chuva que se infiltrava pelo telhado e inundava o pequeno quarto.
Tentava encontrar alguma piada na situação, onde um teto novo metia mais água que um de vinte anos atrás, obrigando uma família a passar dois meses fora de casa, sem a perspetiva de retorno, mais por inconsciência e egoísmo humano que por oportunidade de conserto.
Outro ano estava prestes a nascer, as pessoas se agitavam em torno das festas, que eram sempre boas enquanto festas fossem, e esqueciam momentaneamente dos percalços do caminho. Faziam o que podiam para pôr a mesa farta e caprichavam no gasto com as prendas (prendendo-se muito mais no preço do que no valor) na esperança de alimentar a prosperidade.
Não era a primeira vez que o desejo de passar essa época do ano isolada de toda a gente lhe invadia o espírito, em alguns momentos se faz necessária a companhia apenas de si mesma, mas nesse ano, em particular essa necessidade se fazia mais presente, sentia-se oprimida, invadida e bombardeada.
A imagem da fatídica ceia de Natal ganhava espaço na sua mente e lhe apertava o peito enquanto ela pensava que entre uma caixa de bombons e uma vazia, era melhor não receber nenhuma! Estava farta das caixas!
No momento tudo o que queria era abrir as tampas e deixar que os sentimentos ganhassem a liberdade, sem tentar os conter, na ânsia de não os carregar consigo para a próxima etapa que se avizinhava.
Pensou na sua evolução, que era um compromisso assumido há tempos atrás. No tempo que despende em analisar a si e aos outros, a aprender com as diferenças e sentiu-se triste por perceber que a maioria das pessoas não faz o mesmo exercício talvez por não conseguir fazê-lo, e isso ela conseguia perceber, o que não fazia dela mais feliz.
Em um ato autocomiseração começou a elencar os problemas que se adensavam a sua volta, mas refutou a atitude ao perceber que todo o nó pode ser desamarrado, basta para isso um bocado de paciência.
Deu-se conta que nenhum problema que tivesse era maior que os das outras pessoas e ao tornar o seu sofrimento relativo foi-se deixando de sofrer.
A chave para a resiliência está na capacidade humana de relativizar!
Maria Beck Pombo