Voz da Póvoa
 
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Turistando Lendas e Lugares – Livro dos dias

Turistando Lendas e Lugares – Livro dos dias

Opinião | 20 Setembro 2022

 

Acordou naquela manhã como quem acorda no limbo…

Ao seu redor um mundo em tons de cinza desconvidava o sonho e embalava o desespero que lhe apertava com força o coração.

Sentia as vagas que embatiam contra o seu peito a oprimir sua respiração, e as lágrimas que se recusavam a brotar dos seus olhos, negando o alívio do nó que apertava sua garganta impossibilitando um pedido de socorro.

Estava congelada, mas não anestesiada! Na verdade, sentia cada agulhada gelada a penetrar sua carne, o vil fio do abandono, a ferroada lancinante do desamor…

A Tristeza furtara, sorrateiramente, os pincéis e aquarelas com que ela pintava a vida, com as quais ela coloria cada agrura do caminho de modo a torná-lo sempre belo aos olhos dos outros, ainda que imperfeito.

Ela sempre se soubera assim: a mão que transforma a dor em lição, a Alquimista dos Sentimentos, mas naquela manhã fora soterrada por eles, e tentava, desesperadamente, manter presa dentro dela a fera que rosnava e esperneava na ânsia de ganhar o mundo trazendo para o exterior o caos que habita sua alma, oculta aos olhos de todos.

Ah, alguns poucos sabem o quanto ela pode ser cruel… o que não imaginam é que a crueldade lhe custa caro demais à consciência… Está mesmo longe de constituir uma troca justa!

Sentou-se na cama devagar respirando ofegantemente e começou a enumerar para si mesma todos os motivos pelos quais deveria ser grata à vida, mas tantas graças só a faziam repudiar ainda mais a condição na qual se encontrava, era quase um pecado sentir-se assim!

Escutava ao longe a música que traduzia em palavras seu apelo:

“Não esconda a tristeza de mim

Todos se afastam quando o mundo está errado

Quando o que temos é um catálogo de erros

Quando precisamos de carinho, força e cuidado…”

Isso era tudo que ela precisava: algum afeto, a chance de adentrar novamente o coração que ferira instintivamente num passado tão distante, que o outro insistia em carregar consigo por medo de ser empurrado novamente para o precipício, sem perceber que, sobre ele, ela construíra a mais sólida ponte.

Os dias passam nessa Solidão infindável que se transforma na Ansiedade que lhe corrói o estômago e dá voltas à cabeça, no mal que medicina nenhuma é capaz de curar pois a cura está nas mãos daquele que, completamente cego por seus próprios demónios, é incapaz de lhe estender as mãos.

E a pergunta é: até quando? Quanto tempo deverá passar até que o perdão seja concedido verdadeiramente? Quantas estações nascerão e morrerão enquanto esse cancro se alastra e consome a fé nesse Amor que fora tecido e abençoado pelas mãos dos deuses e retalhado em tiras pelas humanas mãos que O receberam.

Ela sentia no mais profundo do seu ser que ainda havia esperança, tinha linhas mil e agulhas para coser o cobertor que aqueceria o leito dos dois, mas não o poderia fazer sem ajuda.

Mas até a esperança lhe desassossegava o espírito pois não queria alimentá-la indefinidamente, não se podia descuidar que o tempo não espera que juntemos nossos pedaços. Ele continua a sua cavalgada nos roubando os dias e os momentos que abdicamos, e é por esses momentos desperdiçados que sofremos mais.

A Esperança é a última que morre, ou mata!

 

Maria Beck Pombo

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