Acordava de segunda a sexta-feira, impreterivelmente, às seis da matina. Tomava o pequeno almoço, que invariavelmente, era a metade que restara do hambúrguer da noite passada, alimentava os seus dois companheiros felinos e saía de casa a correr para apanhar o transporte público que a levaria para o campus da universidade.
Fizesse chuva ou sol a rotina semanal era a mesma: todas as manhãs ela enfiava-se no autocarro que levava dezenas de pessoas, apertadas como sardinhas, rumo ao campus.
O transporte sempre tinha espaço para mais um, ainda que os passageiros, quase sentados uns sobre os outros, reclamassem forte e feio com o condutor a falta de condições dignas.
Era costume aqueles que estavam sentados segurarem nas mochilas e pertences dos que estavam em pé num jogo onde o equilíbrio e a honestidade eram sempre vencedores.
Nada a satisfazia mais que olhar através da janela e espreitar respeitosamente a luz matinal banhar as lápides do Cemitério Santa Rita, tingindo a paisagem de verde e dourado, emprestando alguma glória à Morte e aos mortos de ali repousavam.
Muitas vezes imaginava-se a ler um livro deitada sobre uma das campas, a embalar com as histórias desse mundo aquele que dormia no além.
Ela gostava do que fazia, sempre lhe agradara perceber o funcionamento da vida, ainda que não fosse exatamente aquilo que estava destinada a concluir.
Tinha predileção pelo professor “JF”, que ministrava as aulas das disciplinas de botânica e tentava a todo o custo “educar” os seus alunos.
Ouvia-se do laboratório ao fundo do corredor situado no piso 0:
- Sete e meia é sete e meia, não é sete e trinta e um! E fechava a porta aos atrasados reservando a eles a lição da pontualidade. Noutras vezes ele exclamava aos discentes que espreitavam pela minúscula janela dos microscópios:
-Não são bolinhas! São ESFERAS!
E quando descontados pelos erros de português nas provas era a batalha final, sempre ganha por ele, claramente.
- Como podeis ser bons profissionais se não souberdes escrever a própria língua?!
Muitas lições deixara o professor JF, mas a maior de todas foi o valor de ser correto e de fazer o que quer que fosse com dedicação e empenho.
Às vezes as lições mais valiosas são as mais difíceis de compreender.
Maria Beck Pombo