Voz da Póvoa
 
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Turistando Lendas e Lugares – Filho de peixe

Turistando Lendas e Lugares – Filho de peixe

Opinião | 22 Junho 2023

 

Ela perscrutava cada canto da cozinha ao seu redor, satisfeita pelo trabalho de ter trocado todos os móveis de lugar estivesse finalmente concluído.

Sentada à mesa com o filho, seu fiel ajudante durante a empreitada, observava-o a brincar com a comida e a fazer trinta por uma linha para fazê-la rir, como se tudo aquilo só tivesse algum sentido se ele pudesse arrancar uma gargalhada da mãe, essa era a moeda de troca que ele acordara receber em troca do auxílio prestado, silenciosamente.

Como seria possível negá-la?

Assistir àquele enorme homem que já a tinha cruzado quase um palmo em estatura, assobiar através de um macarrão e dançar como um siri enquanto tentava se equilibrar na cadeira, era um espectáculo de comédia e tanto!

Era curioso como ele rejuvenescia quando estava ao pé da mãe…

O Piá que voltava a casa a cada verão não era um adolescente. Era a cria que se despedira do seu porto seguro, aos oito anos de idade, em uma fria madrugada de um distante e triste abril.

Uma madrugada que embalara lamentos, não canções, onde a mãe abraçava fortemente o seu rebento, simulando serenidade, para desabar em lágrimas somente depois que ele lhe desse as costas.
 
Afinal, como poderia ela exigir alguma resignação da parte dele se não se mostrasse estoica diante da dor que trespassava dois corações?!

Agarrado em seu peluche favorito e com os lábios a tremer enquanto falava, deixou um beijinho a irmã, e andou a passos lentos pelo corredor, como se levasse o mundo sobre as costas, talvez fosse o peso da resiliência que, aprendida em tão tenra idade, faria inveja a qualquer homem feito!

Durante anos a fio o adolescente cheio de cicatrizes voltava aos braços da mãe e permitia que ela lhe desatasse os nós, limpasse as feridas, removesse as cicatrizes e toda a dor que ocultava a criança interior que resplandecia no interior dele e o deixava livre para brilhar ao mundo testemunhando que existe sempre uma cura desde que se tenha boa vontade.

E dessa forma passaram e passarão a curar-se um ao outro, construindo um reino fantástico onde a realidade convive em harmonia com a fantasia, onde partilham das experiências e particularidades da fase da vida de cada qual, aprendendo a prever e a olhar para trás.
 
Ensinando sistematicamente que estamos em constante mudança e que tudo está bem, desde que seja para melhor.

Filho de peixe, peixinho é!

Maria Beck Pombo

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