À mesa de um dos melhores restaurantes da cidade, ele esperava, cheio de ansiedade.
Mal podia crer que naquela noite poderia, por fim, declarar seus sentimentos à prenda que tanto admirava.
Ela chegou afoita, atrasada como de costume, e entre mil pedidos de desculpas ocupou o lugar em frente ao bem-amado.
Enquanto o pedido era preparado, animaram-se os dois na conversa a relembrar como se tinham conhecido, na casa de um amigo em comum, e em todos os percalços que impediram aquele encontro, até aquela noite.
O jantar foi servido na hora exata em que suas barrigas começaram a falar mais alto e ele, na ânsia de aplacar rapidamente a fome, trincou uma azeitona com caroço e partiu um dente, que caiu no prato logo em frente à guria.
Poderia ter sido um molar, um canino… a sorte poderia tê-lo livrado do maldito siso, mas não.
Por uma partida dos deuses, foi justamente o incisivo, deixando o piá totalmente desconcertado.
Ao contemplar a face do companheiro tornar-se tão vermelha quanto a salada de tomates que pediram, e tentando aligeirar os ânimos, a guria sacou um tubo de supercola que trazia dentro da mala e estendeu ao homem que, surpreso, caiu com ela na gargalhada.
Quem traz um tubo de supercola dentro da mala?! Pensou ele, enquanto tentava pôr o dente no lugar.
Enquanto isso ela indagava-se mentalmente que importância teria a falta de um dente quando o podia enxergar para muito além do seu penteado louro claro perfeito e dos seus olhos verde-esmeralda.
Quando podia ver a beleza que ele trazia estampada aos olhos da alma…
Ao fim da noite se despediram e marcaram de se ver no outro dia.
Apesar da boa disposição da moça frente o ocorrido, ele não conseguia esquecer a vergonha que passara e decidiu não comparecer.
Ela esperou. Primeiro junto a janela, depois em frente a casa, e por último junto ao telefone. Com o passar das horas a presença tanto desejada transformou-se na ausência silenciosa e gelada que provoca a incerteza de um adeus sem despedida.
Enquanto isso ele rolava de um lado para o outro na cama a amargar um futuro onde perdia a chance de contar aos convidados, no dia do casamento, como foi hilário o primeiro encontro entre os dois, ou aos netos como ganhara da fada-dos-dentes não apenas uma moeda, mas sim o mais precioso de todos os tesouros.
Encheu-se de coragem, então, agarrou no tubo de supercola e torceu para que fosse suficiente para restaurar a confiança perdida pela moça afinal, a cavalo dado, assim como aos amores, não se olha os dentes!
Maria Beck Pombo