Voz da Póvoa
 
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Turistando Lendas e Lugares – Expresso Paraíso

Turistando Lendas e Lugares – Expresso Paraíso

Opinião | 27 Julho 2021

 

Aquele verão tinha tudo para ser um verdadeiro inferno!

Além da ruína do seu relacionamento amoroso, o calor escaldante de Santa Maria doía na pele e na alma.

Da janela do antigo sobrado verde-desbotado vislumbrava a selva de pedras onde vivia: construções empilhadas aleatoriamente, sem cor ou sentido, porém, repletas da vida que as habitava.

Naquele ambiente, quase inóspito, pessoas reais traçavam planos brilhantes, longe dos holofotes, e semeavam sonhos desafiando todas as adversidades.

Quando ela já estava preparada para aceitar passar aquela estação a analisar a vida circundante, recebeu uma chamada que vinha acompanhada de uma proposta para lá de tentadora: gozar uma temporada em um dos paraísos mais magníficos de Santa Catarina, a Guarda do Embaú.

Rapidamente fez a mochila e se pôs a espera da boleia que a levaria para o Éden.

Ao chegar próximo ao seu destino, esfregou os olhos para crer naquilo que via: para encontrar a praia tinham de atravessar, de barco, o Rio da Madre, para só depois desbravar aquilo que era a primeira Reserva Brasileira de Surf, e a nona Mundial.

Ela, muito grata pela oportunidade de estar em lugar tão belo, passou os dias e as noites a aventurar-se dentre as paisagens da Guarda, todas dignas que concorrer com os cenários do filme estrelado por Di Caprio: A Praia.

O vilarejo, que contava com aproximadamente mil moradores, sobrevivia maioritariamente do surf, da pesca e de algum turismo, posto que, na altura, escolhiam a dedo quem poderia ou não adentrar o território.

Luaus à beira do mar, caminhadas entre a mata, culinária maravilhosa. De tudo fez questão de experimentar, até chegar o dia em que teve de despedir-se do ambiente feérico e voltar para aquilo que, agora, mais lhe parecia um claustro.

Dessa vez não contava com boleia, tinha de chegar a Florianópolis e só de lá apanhar o autocarro para Santa Maria.

Às pressas rumou para o centro do vilarejo na esperança de apanhar a condução que a levaria até Florianópolis, mas, entretanto, esta já havia partido deixando desolada a guria que, nesse momento, já não tinha pouso nem plata.

Pôs-se a andar de um lado para o outro, a maldizer a vida quando reparou em um automóvel que estava estacionado à sua frente e levava um bebé, uma senhora muito idosa e um casal.

Encheu-se de coragem e se dirigiu até o veículo, bateu na janela e perguntou ao condutor se ele poderia-lhe dar uma boleia até a cidade, explicando-lhe toda a situação.

Foi aí que a senhorinha interveio e disse, muito amavelmente:

— É claro que podemos, querida! Vamos apenas “ali” na sorveteria buscar um sorvete e voltaremos já para buscar-te!

Ela agradeceu, mas ouvia a sua voz interior dizer:

— Pois sim! Voltarão para buscar-me. Isso é que eu duvido! E pôs-se logo a engendrar outra maneira de se pôr dali para fora.

Estava prestes a arriscar outra investida quando a boleia prometida apareceu. O condutor desceu, apresentou-se, pegou na mochila dela para acomodar no porta-bagagens e mostrou-lhe o assento que deveria ocupar.

Ela pedira apenas que a deixassem em Florianópolis, a partir dali estaria por sua conta, entretanto o Universo lhe pôs na frente não apenas uma condução, mas verdadeiros anjos da guarda!

Não só a levaram até a cidade pretendida, como a deixaram dentro da estação rodoviária, de bilhete em punho!

— Não vá se perder por aí, minha querida! E quando vieres à Floripa, venha visitar-nos!

Assim disse a senhorinha enquanto acenava-lhe à janela do autocarro.

O facto é que ela se perdeu, e se encontrou novamente muitas e muitas vezes, mas jamais foi capaz de reencontrar a família que lhe estendera a mão em um momento de tamanha necessidade, muito embora nunca tenha perdido a lembrança da sua generosidade.

Decidiu então retribuir ao Universo, estendendo também a mão aos errantes que cruzam o seu caminho, se tornando parte dessa corrente que começou muito antes dela decidir embarcar nessa aventura.

A bondade, quando dividida, multiplica-se!

 

Maria Beck Pombo

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