Voz da Póvoa
 
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Turistando Lendas e Lugares – Entre trancos e barrancos

Turistando Lendas e Lugares – Entre trancos e barrancos

Opinião | 15 Março 2024

 

Entre os escombros do banco que desabara sob o seu corpo ela se ria tresloucadamente.

Segurava em uma das mãos a taça partida e na outra o tabaco ainda por acender e pensava para consigo mesma:

“Antes eu que o avô, abençoada seja a hora que me sentei nesse banco!”

Tinha a roupa encharcada de vinho e, enquanto desastradamente se levantava do chão,  lembrava de todos os sinais que lhe tinham sido entregues ao longo daquele longo dia.

Perguntava-se se algum dia ela chegaria onde queria, se conseguiria domar o medo do desconhecido, se poderia abrir mão do desejo de controle que a controlava desde que nascera.

Pendurada no céu azul profundo da noite, uma lua lhe sorria tal qual o gato de Alice, e afirmava, matreira:

“Oh, você vai certamente chegar a algum lugar, se caminhar bastante.”

Bem, se havia coisa que ela não dispensava era uma boa caminhada!

Concentrou a sua atenção no momento que vivera poucas horas antes, em que, na sala de espera da sua terapeuta, um exemplar do primeiro livro de Paulo Coelho que ela lera ainda na infância, foi selecionado pelo seu olhar surpreso.

            Até parecia magia: naquele momento, naquele lugar, diante da situação em que se encontrava, cair-lhe nas mãos o livro que despertou o seu amor pelo Caminho de Santiago, o livro que era quase uma premonição da história que viveria com o homem que o destino plantou no seu caminho.

Ao abrir o livro, encontrou marcada a página que dizia:

“ A Virgem sorria à minha frente. Ela teve todos os motivos para chorar – e, no entanto, sorria.

- Continua o que estavas a dizer – disse eu.

- É isto – respondeu ele. – Aceitar o dom. Então, o dom manifesta-se.

- A coisa não funciona assim.

- Não me entendes?

- Entendo, mas sou como todas as outras pessoas: tenho medo. Acho que isso funciona para ti, para o vizinho do lado, mas nunca para mim“.

Ela também teve motivos para chorar, e assim como todos os humanos partilhara do medo da rejeição, do fracasso, do desconhecido.

Mas ao ler aquelas frases, escritas tantos anos antes e entregues no preciso momento em que ela precisava delas, como se o próprio Universo as tivesse gritado aos ouvidos, decidiu enfrentar os seus receios e largar as rédeas.

Preparou-se para abraçar esse dom de espalhar palavras ao vento, de semear esperanças e tornar férteis áridos corações.

E com esse espírito rumou para casa, onde a coragem começou a lhe falhar e a covardia foi chegando despacito, sussurrando perversidades, fazendo com que ela voltasse a se questionar, enterrando a sua confiança.

Por sorte a vida também nos derruba quando pretende ensinar a andar, e o ruir daquele banco foi o derradeiro empurrão que ela precisava para alçar voo!

Por muito que ela tema o contrário, as suas asas conhecem o seu verdadeiro destino!

 

Maria Beck Pombo

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