Voz da Póvoa
 
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Turistando Lendas e Lugares – Do inferno à iluminação

Turistando Lendas e Lugares – Do inferno à iluminação

Opinião | 18 Julho 2023

 

Durante a despedida desfrutaram de tudo aquilo que mais se gostava: um sempre adiado e improvável banho de piscina, acampamento com os amigos, mingau de chocolate, batido de banana, lasanha e frango frito.

Tiveram abraços calorosos e beijos doces, partilharam afáveis declarações de amor, trocaram carinhos, palavras, conselhos…

Na despedida, que não se sabia despedida, e que, por não ter-se sabido, surpreendeu e afogou como a tempestade que se arma sobre o mar calmo sem aviso prévio, revoltando as vagas e afundando embarcações, quando o coração prevaleceu sobre a razão, teve receio, culpa e ira.

É que nem sempre o coração guarda boas coisas…

Na despedida, que não se queria despedida, não houve lágrimas pois não havia tempo para chorar e os acenos se perderam no vento sem encontrar o olhar, desprovido de espelhos d’água, dos que se despediram.

Na despedida que, somente após acontecer, se revelara despedida, as nuvens se adensaram e choveram sobre a sua cabeça fazendo vergar a sua força e de joelhos e mãos no chão ela chorou a ausência que já se fazia, sentindo o dia morrer sem avistar o prenúncio da aurora.

E as pequenas pegadas deixadas para trás a marcar a presença de quem por ali passara, a cama desarrumada, a escova de cabelo sobre a mesa da cozinha, o pijama por lavar jogado atrás da porta da casa de banho, o sumo favorito abandonado no frigorífico, as molas das roupas espalhadas pelo quintal e os planos para os dias que se seguiriam eram adagas a trespassar a sua paz interior, retirando-a do paraíso e jogando-a no limbo, obrigando-a a viver entre a cruz e a espada. Na verdade, dentre todas essas coisas, os planos que ficaram por concretizar era tudo o que mais lhe doía.

Não mais esforço vão de saltar as janelas da casa cuja a porta já estava trancada ou as tentativas de sacar a venda dos olhos que se queriam fechados, não mais as chamadas ignoradas nem as mensagens sem reposta…

Mas sim os planos, a petulância que ainda conservava de tentar controlar o tempo olvidando que o tempo que ela tinha estava ligado ao tempo dos outros, cujas ações e vontades impactavam diretamente a sua vida, entregando-lhe uma despedida sem adeus, com um até logo duvidoso de quão logo se daria o até…

E, antes que enlouquecesse e secasse por dentro, desatou o nó que amarrava o seu destino a quem não fazia questão de tê-la ao seu lado, voltando o olhar para aqueles que esperavam pacientemente por brilhar na sua história, percebendo que foram sempre eles o farol a iluminar os seus dias escuros, o porto seguro a segurar o seu barco toda a vez que voltava estraçalhado pelas ondas, o bálsamo que acalmava o seu coração castigado pelo remorso. E dessa forma pacificou os seus demónios interiores saindo do estado de inferno no qual se encontrava, passando para um estado de iluminação onde tudo o que importa é compreender e amar sem esperar retribuições.

Muitas vezes estamos tão preocupados em compensar a falta que pensamos fazer a quem voou, que faltamos àqueles que sempre nos ampararam as quedas!

Maria Beck Pombo

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