Voz da Póvoa
 
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Turistando Lendas e Lugares - Divino coração de pobre

Turistando Lendas e Lugares - Divino coração de pobre

Opinião | 7 Julho 2020

Alguém pode explicar-me o que é ter coração de pobre?

Eu sempre fui pobre! É fato que não nasci propriamente nessa condição, mas nome não paga conta e por uma soma mal feita do destino que enfrenei nascida em berço de ouro por bastarda me criei.

E assim entre dois mundos experimentei o fel de viver à margem como a empregada que conhece a casa grande mas vive no galpão. Em nome dos bons costumes aprendi a estar entre quem não fazia questão da minha presença, a receber os restos das roupas, dos brinquedos, dos afetos mas principalmente aprendi a ser grata por tudo isso. A mastigar a revolta, engoli-la e digerir rapidamente para que não pusesse-me mal disposta. Aprendi a erguer a cabeça e batalhar pelo que eu queria, a crer que era possível porque a palavra desistir não estava no meu vocabulário. Ser pobre de condição económica obrigou-me a ter um espírito precioso.

Pobre acorda antes do sol nascer para enfiar-se no transporte público lotado, trabalha no pesado até os ossos vergarem, come frio pois não dá tempo de aquecer. Pobre sente dor, mas não reclama porque a vida dói e ele sabe que assim sempre será. Então inventa uma maneira de anestesiar, de tornar suportável, de ser feliz sem luxo ou conforto. Porque pobre não tem tempo para remoer desgostos pois o mundo não pára de girar para esperar que ele recolha os estilhaços da sua alma, que é infinitamente maior que a sua pobreza.

Pobre é pobre pois tem coração de pobre...

E coração de pobre é gigante! O pobre quando ganha uma fortuna compra casa para a mãe, para o pai, para o cão. Paga os estudos dos sobrinhos pois são aplicados e merecem outro futuro. Paga a cirurgia do vizinho porque o SUS não cobre e afinal, o cara é gente boa demais para “passar dessa para melhor” só porque faltou-lhe o capital. Monta um negócio para os irmãos e empresta o seu dinheirinho a fundo perdido para todos os amigos que têm necessidades para “pagar quando puder”.

E bem sabemos que eles nunca podem. Mas pobre não guarda rancor pois sabe que “foi por uma causa justa”.

Pobre continua pobre porque partilha com os outros, pois está tão acostumado a ser grato pelo feijão com arroz de cada dia que não lhe seduz o caviar, porque não vê sentido em ser rico sozinho, preso em uma gaiola dourada.

Pobre é gato vadio, só sente felicidade se todos à sua volta estiverem felizes e sabe no seu coração de pobre que para além da vida levamos aquilo que fomos e não ouro ou credicard.

Nenhuma moeda é capaz de comprar grandeza de espírito.

 

Maria Beck Pombo

 

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