Tinha as pálpebras fixas na escuridão, as sombras vagavam pelo quarto abafado e lhes desassossegavam o coração.
Ansiedade, essa era a palavra.
Uma ansiedade que brotava dos confins do seu universo, que fora totalmente conspurcado pelos gritos e pedidos de socorro que ecoavam vindos do mundo exterior.
Levantou-se da cama e caminhou até a cozinha, sentindo o corpo todo a tremer, em busca de qualquer coisa que lhe aliviasse a tensão.
Parou em frente a sua caixa mágica e, já com um conjunto de comprimidos na mão, tomou uma sensata decisão: era hora de fazer uma dieta!
Uma dieta que lhe aliviasse o peso sobre os ombros, não sobre os joelhos…
Deixou as pílulas de lado e voltou para a cama a se concentrar no som da chuva que caía sobre o seu telhado, como uma melodia divina a ser composta para o deleite dos ouvidos da alma.
No outro dia preparou a despensa para o intento: colheu memórias da infância em uma noite orvalhada, pois o orvalho, todos sabem, torna o fruto mais doce.
Em pequenos frascos guardou o riso franco dos filhos, as lágrimas de alegria da mãe, os conselhos certeiros do pai, os abraços dos avós.
Fez questão de recolher também o afeto das irmãs, os afagos dos sobrinhos, o amor do marido.
Em jarros transparentes guardou água de mar e de rio, em caixas feitas de carvalho depositou as sementes da amizade, da alegria, da bondade, da esperança, da gratidão, da ternura, da empatia e do respeito. Ao conjunto dessas caixas deu o nome de Felicidade.
Fez da sua mente um templo, protegido e sagrado como a cozinha de uma antiga e sábia bruxa.
Arrancou, qual ervas daninhas, tudo aquilo que não lhe alimentava o espírito: desligou a televisão pois, definitivamente, a tragédia causa inchaço e não há drenagem linfática que a alivie do cérebro.
As notícias, cada vez mais, fazem mal ao coração. A maldade humana é mais contagiosa que qualquer variante de Covid-19, além de causar danos permanentes.
Pôs a mesa com travessas de boas lembranças regadas com muita alegria, e alguma pitada de melancolia pois o doce, quando é demasiado, também enjoa.
Dispôs em taças coloridas longas conversas com os amigos, noites de amor recheadas de cumplicidade, brincadeiras com as crianças e convidou aqueles que, assim como ela, desejavam o fino véu da ignorância a desfocar a realidade bruta ao seu redor.
Escolheu a dedo aqueles que ficariam em sua companhia e que também queriam ser felizes, apesar do mundo parecer querer o contrário.
Encerrou-se em sua bolha, que era grande como coração de mãe, deixando de fora tudo aquilo que lhe fazia mal à saúde.
E aos poucos começou a se sentir mais leve, como a poeira que dança ao sabor dos redemoinhos de vento, com a convicção de que, se a brutalidade do mundo um dia bater à sua porta, ao menos fora feliz até então.
Às vezes a ignorância é uma bênção!
Maria Beck Pombo