Voz da Póvoa
 
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Turistando Lendas e Lugares – Despertar

Turistando Lendas e Lugares – Despertar

Opinião | 29 Setembro 2021

Desde que saíra da casa dos pais, há quase duas décadas, nunca mais dormira naquele quarto.

Agora, novamente acomodada entre as paredes que abrigaram esperanças e angústias, que foram berço de sonhos e pesadelos, que foram confidentes de tantos segredos e ouvintes para as verdades sussurrantes que almejava ecoar a todos os ouvidos, sentia-se, estranhamente, em casa.

O passado tomava seu espírito de assalto a lhe recordar dos bailes da adolescência, dos amigos que rabiscavam suas paredes com frases que tinta nenhuma fora capaz de cobrir, da música que lhe despertava todos os dias, dos risos, dos planos, do som da viola nas noites de folia.

Trazia também as recordações das mágoas, dos amores despedaçados, das aflições que lhe invadiam e roubavam o sentido da vida e, imersa nesse ambiente, abriu os olhos permitindo-se iluminar pela certeza de que as pessoas crescem, as aspirações se transformam, a casa muda, mas as memórias permanecem intactas como as palavras impressas num livro que passa de mão em mão, a ensinar diferentes lições que dependem sempre da perspectiva de quem o lê.

Pensou em todos aqueles que saíram da sua vida levando consigo um pedaço, que pertencia unicamente a ela e, nesse momento, teve uma verdadeira epifania: já não sentia a dor do apartar.

Sentia dentro de si brotar uma imensa sensação de desapego, que trazia junto consigo a tranquilidade e a paz que somente experimenta quem amadurece, mas não se deixa apodrecer.

Abriu as cancelas da alma e libertou tudo aquilo que não lhe pertencia, sem dor ou mágoa, sem permitir que o vazio se instalasse e fizesse do seu coração, morada.

Antes pelo contrário, sentiu-se cada vez mais senhora de si mesma e consciente do lugar a que pertencia, pois tudo que parte não faz falta, caso contrário não partia, agregava.

Naquela noite, entre as paredes daquele quarto, que não mais a pertencia, mas fora testemunha da história que começara a escrever, ainda na adolescência, percebera, enfim, que era absolutamente feliz.

Quiçá ainda mais feliz que absoluta.

Apenas quando libertamos nos tornamos livres!


Maria Beck Pombo

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