Voz da Póvoa
 
...

Turistando Lendas e Lugares – De mãos dadas

Turistando Lendas e Lugares – De mãos dadas

Opinião | 13 Setembro 2022

 

Da cozinha ela escutara a voz aflita da filha, vinda do quarto onde já deveria, àquelas horas, estar a dormir, a clamar pela sua presença.

Surpresa, chega-se à porta do aposento e pergunta, com voz muito branda, a razão da aflição, quando a guriazinha, entre lágrimas, responde:

-- Mãe, eu vou-te fazer uma pergunta, mas já sei que me responderás que não!

-- Diz, minha filha.

-- Quando nós morremos, voltamos novamente para cá?

A pergunta filosófica da cria, somada ao avançar das horas que mergulhava o dia em escuridão, a fez hesitar.

O que poderia ela dizer para acalmar o infantil e esperançoso coração que se desfazia diante da dúvida mais cruel carregada pela humanidade?

Ela, que já acreditara em tantas explicações tecidas na intenção de aliviar o medo do Desconhecido e dar sentido a uma vida onde a Morte é a única certeza, agora acreditava apenas no descanso merecido da Inércia, da Ignorância absoluta das coisas do mundo, da Inexistência.

Mas como entregar uma resposta tão fria a alguém que ainda não conhece o cansaço de habitar um mundo de coisas tão simples, sistematicamente complicadas pela ação do homem. É que viver também cansa, mas isso ela não podia dizer…

Ponderou por alguns instantes, maldizendo a obrigação que têm as mães de serem detentoras de todas as repostas do universo, e respondeu com toda a honestidade, que a Honestidade fora a prenda que prometera aos filhos no momento em que soube que os carregava no ventre:

-- Essa é uma resposta que a mamã não tem para te dar. Algumas pessoas pensam que voltamos, outras pensam que vamos para outro lugar… O que importa é acreditar em algo que nos traga tranquilidade pois a Morte é parte da Vida e juntas elas andam de mãos dadas. Apenas através Dela se permite que o planeta e todas as suas coisas continuem a existir.

-- Mas eu não quero morrer! E não quero que tu morras! Eu vou sentir saudades!

Balbuciava entre soluços o pedacinho de gente que ela gerara há muito menos de uma década atrás, enquanto a mãe tentava, de uma maneira terna e sem que fosse preciso mentir, aliviar o sofrimento que tomara o espírito da filha de assalto.

-- Tens saudades do mano, não tens? E no entanto consegues suportar, porquê?

Indagou a progenitora.

-- Eu tenho, e suporto pois sei que o verei passado algum tempo.

-- Então façamos o seguinte: toda a vez que pensares na Morte, pensarás que ela é apenas um “até logo” e que passado o teu tempo encontrarás todos os que amas. E quando a mamã e o papá forem muito velhinhos e fecharem os olhos, sempre que sentires saudades lembrarás de abraçar a ti mesma diante do espelho, pois cada célula do teu corpo abriga uma parte de nós os dois e, dessa forma, estaremos a abraçar-te também. Sendo assim, minha preciosidade, tudo é Eterno e permanece connosco, ainda que não seja da forma com que estávamos habituados. A vida é um ciclo com princípio, meio e fim, e tudo assim está bem. Não penses no que está por vir, concentra-te no presente e retire dele todas as experiências que puderes pois quanto mais se vive plenamente, menos a Morte assusta, pois ela é apenas o descanso.

Encerrou a conversa com um forte abraço, já a sentir o coração da cria a bater em paz, convicta de que fora feliz no intento de lhe apaziguar a alma. Cantou-lhe uma canção alegre a entregou-a nos braços de Morfeu, certa de ter se feito compreender que a Morte é tão somente um adormecer mais profundo, para repousar após uma existência nesse parque de diversões, cheio de sustos e surpresas, de algodão doce e joelhos ralados, que é a Vida!

 

Maria Beck Pombo

partilhar Facebook
Banner Publicitário